Tuesday, September 30, 2014

um dia


"One day, baby we'll be old
Oh baby, we'll be old
And think of all the stories that we could have told..."
One Day - Asaf Avidan

Arnaldo enxugou as lágrimas e resolveu tentar entender mais uma vez. Parou ainda na metade da ladeira e desceu novamente. Não conseguia pensar em outro motivo que não fosse o reencontro com um de seus melhores amigos minutos antes: era esse o único acontecimento durante a transição de sorrisos e gestos amorosos para lábios cerrados e demonstração nula de carinho. Ele só não conseguia concluir qual a gravidade em estar de frente para um amigo atualizando os acontecimentos um do outro – o que incluía seu próprio relacionamento.

Dentre todas as humilhações com que já vinha lidando nos últimos meses aquela era a pior delas. Não só pelo fato de se sentir abandonado pela primeira vez na vida – e ainda implorar que assim não o fosse, mas, principalmente, por ter feito daquele dia a data registrada no atestado de óbito do seu amor próprio. Ainda assim, quando resgatando memórias num futuro não muito distante, seria também o motivo de descobrir que amor próprio é passível de renascença – ou despertar, caso tenha apenas adormecido:

- Eu precisava falar com você.

- Eu venho esperando por esse momento há muito tempo.

- Não fala nada. Deixa eu falar. Quando eu terminar você fala. Ou não, vai saber.

- Eu só queria entender o porquê.

- Vou te explicar o porquê. Ao mesmo tempo irei te dar todos os motivos para entender se você simplesmente, ao invés de falar ou não, virar as costas e for embora.

- Acho que o fato de você ter feito isso comigo é suficiente, não?

Arnaldo olhou para o chão. Lembrou do que acontecera semanas depois daquele reencontro. Já há alguns dias vinha rezando para que não se encontrassem novamente na presença do outro. Sempre tivera zelo pelo não rastreamento das conversas virtuais que nunca deixaram de ter. Um acreditava que elas não aconteciam. Outro não fazia ideia de que, minutos após a despedida, nem a lixeira do computador ficava com o arquivo daquela conversa por mais de cinco minutos. Ainda que atendidas quase sempre, a cidade pequena não permitiu que suas preces se fizessem fato para sempre. Sentindo o coração doer como nunca anteriormente sentido, Arnaldo passou rapidamente por ele, sendo um “oi” o único gesto recíproco aos braços abertos esbanjando saudade que lhe eram oferecidos.

- Eu sei, eu sei. Mas...

- Por acaso lhe falaram que eu não fui leal a você?

- Pelo egoísmo inerente ao motivo daquela minha atitude ridícula, eu preferia mil vezes que tivessem me dito isso.

- Oi?

- Eu preferia poder me dizer arrependido de ter desconfiado da sua lealdade do que de ter sido covarde ao ponto de enterrar meu amor próprio, porque era o amor do outro que eu acreditava merecer.

- Assim você me deixa confuso.

- Se eu tivesse no fundo de um poço e me dissessem que você não iria me dar a mão para ajudar, ainda assim eu ficaria esperando, porque eu sei que você ia.

- Eu ia mesmo.

- Eu sei. O que eu quero dizer é que preferia te pedir desculpas por não ter esperado que você aparecesse do que por, quando na minha vez de te puxar, te deixar esperando inutilmente, entende?

- Acho que sim. Ainda assim eu te daria a mão.

- Me disseram que você deu em cima de mim aquele dia.

- Eu? Como assim, gente?

- É. Você deu em cima de alguém que devia estar tão aéreo que nem percebeu.

- Mas eu não dei em cima de você.

- Eu sei.

- Então o que isso tem a ver?

- Isso tem a ver que, mesmo diante da certeza de minhas negativas, eu fui tão covarde que aceitei a condição de que, para permanecer nos planos futuros de alguém, eu deveria me desfazer de ti. Assim como o outro havia se desfeito de uma das cercas baixas que pulavas. Tem certeza que você ainda me daria a mão sabendo que ignorei completamente o sacrifício familiar que você um dia fez para continuarmos lado a lado ao te alocar no mesmo patamar que uma cerca baixa?

- Você não pediu para eu esperar até que dissesse tudo? – ele perguntou cerca de dez segundos depois que Arnaldo fitou novamente o chão, interrompendo a fala.

- Bom... Eu fiquei dias e dias ensaiando mentalmente como seria se eu te encontrasse. Aliás, como seria quando eu te encontrasse e estivesse acompanhado. Porque eu nem acreditei quando nos encontramos uma ou duas vezes e eu pude sentir teu abraço, ouvir tua voz sem me preocupar com nada além de te ter ali, mesmo que por poucos minutos. Mas eu tinha tanto medo de um eventual encontro estando com o outro que, naqueles minutos entre perceber que infelizmente aconteceria e eu te ignorar, eu percebi a inutilidade de um ensaio para aquela realidade. Sempre que eu penso sobre arrependimento, essa é a primeira lembrança que me vem na cabeça. Desde aquele dia eu sofria com a expectativa de como seria poder te pedir perdão. Eu só queria te pedir perdão – lágrimas escorriam dos olhos de Arnaldo.

- Ei, para de chorar.

- Deixa eu terminar. Você disse que ia esperar eu terminar. Eu escrevi uma carta para você – ele continuou após a afirmativa silenciosa do amigo. Acompanhava sua vida pelas redes sociais e queria saber mais de ti. Mas era tão covarde que gastei quase metade das linhas só com pedidos de segredo por aquele papel. E, não fosse só isso, ainda assinava em nome de outra pessoa. Primeira coisa: não precisava te pedir anonimato nenhum. Segunda coisa: enfrentar o medo deixou de ser uma opção? É, eu me escondi na sobra do outro de um jeito que abandonei minha própria sombra. Quando consegui o sol para mim eu percebi que faltava um guarda-sol ao meu lado. Faltava você do meu lado.

- Eu sou um guarda-sol?

- Você era o que eu precisava para finalmente poder me sentir renascido.

- Isso tudo é pelo seu próprio bem?

- Não. Não existe meu próprio bem e te falar nada disso. Só existe a explicação que você merece e os motivos para você se virar e ir embora.

- Tem mais?

- Talvez eu não estivesse aqui agora. Se eu não tivesse arriscado tanto talvez ainda me visse estagnado num beco sem saída. Mas consegui dar a volta e achei uma saída. E minha primeira parada não podia ser outra. Não dava para desbravar outros caminhos sem antes assumir todos os erros cometidos no percurso anterior. A gente pode até errar duas vezes, sabe? Mas aprender na primeira vez pode ser suficiente. E a dor de ter errado com você é impossível de descrever. Eu não quero errar assim de novo e, reconhecendo o erro, talvez eu seja uma pessoa melhor sim. Não para mim, mas para outros que, como você, só merecem amor.

- Sabe que... Desculpa, não esperei terminar.

- Fala. Pode falar.

- Sabe a história do poço? Então – ele continuou depois que Arnaldo balançou afirmativamente a cabeça – me dá aqui sua mão. Arnaldo, surpreso, levou a mão à dele – Se você tá no fundo do poço agora, tá aqui ó – ele fitou os olhos nas mãos unidas dos dois – estou te dando a mão.

- Você...

- Arnaldo... É claro que que gostaria muito de ter sabido disso tudo antes. Há anos que me pergunto o que aconteceu para você me tratar tão secamente aquele dia no cinema. Eu te afirmo até que teria entendido se você tivesse me falado. E talvez eu devesse ficar chateado, virar as costas e ir dar uma volta. Mas seriam dois trabalhos, sabe?

- Como assim?

- Eu ia, mas teria que voltar. Porque eu não iria jamais te deixar sozinho aqui – Arnaldo emudeceu-se, transformando quaisquer palavras que queriam sair em lágrimas – Eu acho que você aprendeu a lição. Eu também já errei. Mas tem uma coisa... Há anos que eu anseio por esse momento, não só para entender o que aconteceu, mas para te ver, te sentir, sabe? Isso é muito maior que qualquer outra coisa. O que é verdadeiro, pode passar o tempo que for, continua sendo verdadeiro. Amor, sabe?

- Eu... E...

- Não precisa dizer nada não. Agora não. Não perde tempo com palavras de desculpas ou perdão. Acho que temos muita coisa para contar um pro outro sobre os últimos anos. Vamos gastar saliva e lembranças com as novidades que dois amigos que não se veem há muito tempo tem para contar um ao outro.

- Você existe?

- A gente existe, cara. Isso não tem preço. Você é meu brotherzão, lembra?

- Ainda?

- Para sempre. Nunca deixou de ser.

- O que é verdadeiro, pode passar o tempo que for, continua sendo verdadeiro.

Monday, September 29, 2014

você


dos achados no baú: 2006

É engraçado porque, mesmo estando feliz com ela, é em você que eu penso nos dias de chuva. Engraçado, não. Estranho, na verdade. Como posso estar feliz com alguém, mas pensando em outra pessoa? Talvez seja uma falsa felicidade, não é? Creio que essa seria sua resposta para toda a situação que se passa. Engraçado, na verdade, é o jeito que você consegue lidar com as situações.

Acordo todos os dias com a mesa posta. Ela sai mais cedo para o trabalho e deixa esse presente todas as manhãs antes que eu acorde. Eu sou feliz desse jeito. Mas acontece que quando eu sento para tomar café, é a sua presença que eu queria ter ali do meu lado. Chegando da corrida matinal, suando, ofegante e às pressas para não se atrasar para o trabalho.

Ela gosta de participar de todas as minhas atividades. Ouve minha música, lê minhas palavras e sente o gosto das minhas aventuras gastronômicas. Mas eu só os ofereço a ela depois que já experimentei. Depois de ler, reler e reler. Porque a única pessoa para a qual eu entregaria um rascunho seria você. Os outros não tem a coragem que você tem de me dizer a verdade mais dolorosa quando necessário.

Só que existe uma coisa muito dolorosa além disso tudo. Eu tenho um filho, agora. Ele tem a mesma idade que a sua partida. A mesma idade que o meu abandono. E ela é a mãe dele. É ela quem cuida, quem dá amor, quem faz da vida dele a mais feliz junto comigo. E o mais doloroso é viver tudo isso pensando que eu deveria estar vivendo com você. E assim eu continuo preso à distância de alguém que eu nem sei onde está.

Sunday, September 28, 2014

depois da praia um caldo de feijão

 
 
O interfone tocou. Estava sozinha em casa, cansada de tentar seguir o caminho do outro, e seu pensamento não teve oportunidade de tentar adivinhar quem seria àquela hora. Deixou as cobertas espalhadas na cama, daquele jeito que só deixava se muita importância tivesse qualquer outra coisa que não a desarrumação, causa de uma das suas manias responsáveis pela sua personalidade.

- Quem é?

- Arnaldo.

- Arnaldo?

- Ué, não lembra de mim?

- Lembro – voz meio arrastada enquanto apertava o botão que abria a fechadura.

Encontraram-se ainda na varanda. Ela vestia uma de suas camisolas de seda. E vestia uma expressão surpresa, mas impossível de disfarçar o sorriso que – mesmo com os lábios cerrados – seus olhos entregavam.

- É claro que eu lembro.

- Eu sei que você lembra. Luíza está aí?

- Não. Estou sozinha.

- Ah...

- Desculpa.

- Pelo quê?

- Sei lá.

- Então por que pede desculpas?

- Ah, é que...

- Porque você é assim né?

- Não, é que...

- Não, é que você é assim mesmo. Eu sei.

- Sei lá.

- Bom, eu não tenho nada a ver com qualquer coisa que esteja acontecendo entre vocês. Porque, venhamos e convenhamos, amar é reconhecer os defeitos né?

- Não te entendo.

- Eu o amo, ué. Mas... eu gosto mais de você, sabe?

- Quer um copo de coca-cola?

- Só se for da Luíza.

- É dela mesmo.

- Deixa que eu pego.

- Não, eu pego.

- Olha, não precisa querer me agradar.

- Mas eu nã...

- Eu sei, eu sei. Você sempre foi assim comigo. Mas agora não precisa.

- Eu sei, desculpa.

- Para de pedir desculpa.

- É que...

- Não. Olha só: eu não vim aqui forçado, eu não vi aqui escondido, eu não vim aqui esperando desculpas ou qualquer outra coisa de ninguém. Eu vim aqui encontrar a Luíza.

- Ah, agora eu entendo.

- Não, você não entende.

- É, eu entendi errado na verdade.

- Também não, você entendeu perfeitamente certo.

Ela tirou os olhos dele. A piscina de plástico já castigada pelo sol tornou-se seu foco, inutilmente utilizado como uma tentativa para demonstrar que se fazia entender. Ela não entendia, na verdade. Ele, agindo pela primeira vez na vida como o homem que pretendia se tornar, entendia o fato de ela não entender. Ele sempre fora tão pró hierarquia que desafiar seus superiores naquela situação era arriscar demais sua lealdade. Mas ela não sabia que aquela era a primeira oportunidade de ele demonstrar que lealdade se deveria ter àquelas pessoas que nunca tiveram qualquer dúvida sobre a pessoa que eram – e até quem poderiam ser. O amor tem suas diferenças. A lealdade não. Isso é inerente à pessoa.

- Sabe o que é?

- O quê?

- Tenho receio de trazer mais indisposição para eles.

- Indisposição é eu ter que escolher um lado entre duas paredes do meu quarto.

- Como assim? Vão pintar seu quarto?

- Para de se fazer inferior mudando o assunto. Pergunta o que meu quarto tem a ver com isso ao invés de preocupar-se mais com meu próprio quarto por gostar mais de mim que de você.

- Oi?

- Parece ridículo, né? Eu chegar assim, do nada, e ainda ter a ousadia de dizer que você gosta mais de mim que de você.

- Er...

- Tá vendo? Ao invés de revoltar-se, você se envergonha, se acovarda e não me manda tomar no cu como deveria ter feito quinze segundos atrás.

- É que...

- Não, não é porque você tem medo de trazer mais indisposição para ninguém.

- É porque eu gosto de mim sim.

- E doeu dizer isso para mim né?

- Não.

- Não?

- Não.

- Eu te amo, sabia?

Ela deixou a piscina de lado e fitou as lajotas da área de serviço.

- Não precisa ficar acanhada.

- Eu não estou acanhada.

- Eu vim aqui encontrar a Luíza, sabe? Mas...

- Mas...

- Mas no fim das contas acho que eu vim aqui encontrar você mesmo.

- Será?

- Agora me escuta. Tem algumas coisas que eu preciso te dizer. Agora, anos antes mesmo, porque pode ser que eu lembre tardiamente. Não que tenhamos partido precocemente para outro plano, mas tardiamente quando eu tiver mais receio que coragem em expressar verbalmente coisas que são necessárias serem ditas.

- Com...

- Só escuta. Fica assim mesmo, de cabeça baixa. Não tem problema. Isso não me faz te ver humilhada. Isso me faz te ver ainda mais com esses olhos cheios de amor – ela olhou-o rapidamente, baixando a vista tão logo percebeu que ele tinha os olhos nela. Sim, cheios de amor. Eu não posso tomar partido, tentando parafrasear Cazuza, de corações partidos, sabe? Não posso e nem devo. Isso vai me servir muito lá na frente. É isso que alguns amigos vão fazer comigo e eu só vou entender porque estarei maduro o suficiente para isso. Esse momento, esse encontro tão espontâneo de hoje vai ser o pilar mais firme de todos, por ser o primeiro, responsável para que eu possa me reerguer. Daqui uns anos você vai, sem saber, tornar-se minha irmã dividindo apenas uma mínima parcela de sangue. Porque vai ser a primeira pessoa a me fazer entender que irmandade não surge apenas pela genética, mas por gestos e palavras também. Você vai ser um diário sem cadeado, mas só aberto quando comigo: cúmplice discreta de questionamentos, angústias, alegrias e descobertas. Se eu tomar partido agora, do jeito que esperam que eu tome e não da forma como eu acredito que se deve tomar, lá na frente eu não vou poder olhar para meu passado e sentir orgulho por ter aprendido tão cedo que estar em cima do muro pode ser muito mais justo que escolher um lado para ficar. Se eu escolher a incondicionalidade do amor à certeza da confiança, sete anos à frente eu posso não estar vivo e ter deixado passar a oportunidade de descobrir que o que é verdadeiro, pode passar o tempo que for, continua sendo verdadeiro. E não vou olhar para trás, orgulhoso desse momento aqui, desse encontro aqui que foi a primeira vez em que isso aconteceu e eu ainda nem percebi.

- Eu...

- Você, nada. Você só escuta hoje.

- Eu nem sei o que dizer. Tem caldo de feijão, quer?

- Macaco quer banana? Enquanto você prepara aí, eu lhe digo: primeiro você tem que dizer para si mesma que não está gorda. E olhar-se no espelho todos os dias, ao acordar e antes de dormir, para dizer àquele reflexo que não tem ninguém mais jovem, linda e disposta como você – ainda que não acredite nisso, a repetição ajuda no costume. E acostumar-se, por vezes, é suficiente para manter-se numa situação, não? E você tem que parar de sentir pena de si mesma também, sabe? Depois do espelho não se enrole nas cobertas como que precisasse de segurança. Faça dos seus próprios braços sua maior prevenção ante o perigo de qualquer impacto emocional. Se a mente é capaz de tantas coisas, porque seu corpo não pode ser? Por fim, não deixe que ninguém te desmereça ou faça sentir menos do que a mulher que és. Fique em silêncio, que seja, mas deixe os ouvidos tão distraídos quanto nos domingos em que se precisa ir ao mercado. O peixe mais belo quase sempre é o peixe mais caro e sempre vai ter alguém querendo pechinchar. E eu sempre vou estar logo atrás, no último lugar da fila, para manifestar-me sempre com um valor maior se achar que vale à pena. E você vale à pena.

- Quer dizer que eu sou um peixe? – ela levou a xícara de caldo até suas mãos.

- No caso você seria uma lagosta.

Ele riu, fazendo-a rir espontaneamente pela primeira vez desde o momento em que tocara o interfone. Ela se levantou de braços abertos, sendo recepcionada pelos braços abertos dele, envolvendo ambos no primeiro abraço depois de muitos meses de desencontros propositais. Tinham se visto pela primeira vez quatorze anos antes. E depois de todos aqueles anos foi naquele momento em que se conheceram verdadeiramente. Ele porque já sabia quem ela era. Ela porque teve certeza do homem que sabia que ele seria.

Saturday, September 27, 2014

cerejeiras

(foto: Thiago Machado)

Eu gastei muito tempo pensando. Sempre busquei evitar problemas, mas, desde que me entendo por gente, tenho o péssimo hábito de grudar neles quando aparecem para que não larguem de mim nunca mais. Ou tinha. É que um dia eu estava calmamente trocando ideias com um amigo na mesa de um café. Estávamos sentados do lado de fora, ambos com uma xícara de chocolate quente nas mãos para enfrentar aquele tempinho agradabilíssimo de Curitiba. Mais uma vez eu falava sobre os meus problemas, sobre o quanto eles tomavam parte de mim e ocupavam minha cabeça que deveria estar preocupada com outras coisas. Disse-lhe que enquanto eu perdia meu tempo com eles, acabava perdendo tantas outras coisas que passavam do meu lado e eu não percebia. Ele me interrompeu ali mesmo. Disse que talvez eu estivesse vendo as coisas pelo ângulo errado. Eu apenas olhava para os problemas e não para o que eles podiam me trazer de positivo:

- Não é para as coisas que estão acontecendo ao redor dos problemas que você tem que dar valor. É pros próprios problemas. - Ele olhou para o outro lado da rua, apontou o dedo e pediu que eu observasse uma árvore que lá se encontrava – Tá vendo aquela árvore ali? Olha o frio que tá e olha como ela está bonita. Quando você tiver qualquer problema pra resolver, pensa logo que maior que ele vai ser a lição que você vai tirar. Leva esse ensinamento pra sua vida: Todas as cerejeiras de Curitiba florescem no inverno.

Thursday, September 25, 2014

era uma vez uma priscila


Eu não a vi nascer. Bem que poderia, afinal ela veio depois de mim. Mas Deus tratou de coloca-la em minha vida. Talvez, em nossa opinião, muito tarde. Mas, sabemos nós, na hora certa. Essa garota que tanto carinho tem pra distribuir. Garota não, desculpe, mulher. Uma mulher tão frágil quanto porcelana, ao mesmo tempo em que possui a resistência de um diamante. Uma mulher que chora, derramando lágrimas na mesma intensidade com que sorri e transforma o dia de quem quer que seja – e em qualquer estado de espírito que esteja – num fim de tarde pôr-do-sol (aqueles que, de tão preenchidos de pureza, deixam os lábios dormentes de tanto sorrir).

Essa mulher que a ninguém decepciona, porque ela própria se decepcionaria caso isso acontecesse. Porque ela é humana como nós – de pele e osso, com sangue correndo nas veias, mas traz em consigo um viés angelical. Feliz daquele que consegue enxergar aquele quase invisível par de asas nas costas, auréola na cabeça e harpa por entre os dedos – porque ela se faz modesta na opacidade daquilo que dá a sua humanidade um tom celestial. Feliz daquele que conseguir dela tudo o que ela é capaz de proporcionar – e não se preocupe em perde-la ao errar: dos céus ela também trouxe perdão.

Porque a sua humanidade a faz errar também. É assim que aprende para depois, como anjo, ensinar a tantos outros. O seu maior dom, ainda assim não mais importante que os incontáveis outros, é não julgar nada nem ninguém até ter a certeza de que só saberão do que ela fala quando estiverem na mesma situação em que ela esteve. Ela é bem como eu. Acredita no bem. Consegue ver o lado bom de todas as coisas. Segue suas vontades, encorajando os outros a fazer o mesmo.

Essa mulher, que tem a pureza de uma menina, encontra refúgio por vezes no mundo adulto em que foi obrigada a conhecer. Mas não perde a inocência que o mundo lhe ofereceu. Essa mulher é verdade. Não absoluta, que isso não existe. Mas é verdade de coração, de sentimento, de importância para com os seus. Essa pessoa, essa mulher, essa menina vê a si mesma como seu porto seguro. Porque ela aprendeu – como ser humano – e me ensinou – como o anjo que é – que o único jeito de sentir-se livre de verdade é acreditar, confiar e, principalmente, amar a si mesmo.