Eu chego mais cedo que o normal. Nunca fui muito pontual, mas em situações de nervosismo eu sempre fui muito cauteloso em relação ao horário. Sento-me à mesa mais ao canto do restaurante e abro o cardápio à procura de algo que não tenha alho ou cebola em sua composição. Mas opto mesmo pelo mojito com aquele delicioso sabor de hortelã. Bebida alcóolica na hora do almoço? É só um, não vai dar pro chefe perceber. Passo os olhos pelo ambiente e reparo em cores e objetos que nunca tinha visto antes. Mudou muito desde que vínhamos aqui. Na verdade muita coisa mudou desde que paramos de vir a esse restaurante. Eu, na realidade, nunca mais tinha vindo aqui. Não faz sentido que ainda exista um nosso restaurante, se já não existe o nós. Chego a pensar se meu nervosismo não é mais pelo ambiente que pelo fato de te encontrar. Que mojito demorado. Que demora essa sua. Faz tanto tempo que você foi embora que eu até tinha esquecido que você é a única pessoa que consegue ser mais atrasado que eu.
De onde estou é possível ver a entrada do restaurante, o que me dá alguns segundos de vantagem para ensaiar o início desse encontro. Primeiro entender o por quê, já que você não o quis explicar pelo telefone. Pensando bem meu nervosismo é maior pelo mistério do quê o motivou. Meu mojito, ainda que atrasado, conseguiu ser mais pontual que você. Me vem aquela vontade incontrolável de ir ao banheiro – coisa do meu nervosismo também. Mas não posso levantar. Consegui me acomodar na cadeira daquele jeito que não conseguirei me acomodar de novo, sabe? É, você sabe. Quantas vezes levantou-se do sofá para me buscar água porque eu não podia sair daquela posição, não é? Foi quando você me ensinou a controlar a bexiga apenas focando o pensamento em outra coisa. Assim o faço agora. A bebida desce pela minha garganta e seu sabor me leva até aquele dia em que você pegou um porre de mojito no aniversário da minha mãe e quebrou o aparelho de som bem na hora da música preferida dela. Já está trinta minutos fora do horário. Mas tudo bem. Vou dar um desconto pelo dia do casamento da sua irmã em que o meu atraso fez com que chegássemos já na troca das alianças. Esse hortelã me lembra um creme hidratante importado que você tinha e que eu quebrei o vidro naquele meu ataque de ciúmes pelo seu professor de informática. Dá um desconto, eu não sabia que ele era gay. Se bem que até hoje tenho minhas dúvidas, mas isso não vem ao caso mais, não é?
Sou rápido, você sabe, então peço mais um drink ao garçom. Talvez agora meu chefe perceba que eu bebi. Você marcou às treze. Já são treze e quarenta e sete. Aquele casamento já faz tanto tempo. Não vale guardar mais mágoa. Esse mojito está mais gostoso que o outro. Adocicado do jeito que eu deixava quando recebíamos os amigos em casa, lembra? São os piores, você me dizia. Uma hora de atraso. Começo a achar que você não virá. Peço mais uma dose. Quase virei esse segundo copo. Peço que o garçom traga um pedaço de papel para mim também. Esqueci meu caderno em casa e preciso escrever. Quando essa necessidade de escrever surge é necessário que eu lhe dê ouvidos, você sabe. Dessa vez a bebida bateu o recorde. Veio mais rápido que as outras duas. Eles querem que eu fique bêbado.
Meu nervosismo vai dando lugar à desinibição. Acho que é melhor te encontrar assim. Quase uma hora e meia que eu estou aqui e você não aparece. O tilintar do gelo no copo tripudia no meu ouvido e me traz de volta à realidade, longe dessas lembranças tão antigas na memória. O mojito me traz lembranças boas, mas também me lembra o fracasso. Foi por isso que eu deixei de beber rum misturado com hortelã. É um sabor que me lembra a quantidade de noites em que eu me embriaguei enquanto contava minhas lamúrias sentimentais para a geladeira. Me lembra garrafas de rum espalhadas pelo apartamento coberto de folhas de hortelã depois que você foi embora. Cancelo meu quarto copo. Tem coisas que devem ficar no passado, sem remexer, sem fazer reviravolta. E percebo que isso diz respeito a nós também. Gostaria mesmo de tê-la encontrado. Mas fui embora antes que tivesse que me dar o trabalho de lidar com alguma coisa que eu talvez nem deva saber. Peço para que o garçom lhe entregue essas palavras, caso você ainda apareça para me encontrar. Não vou mais trabalhar. Saio daqui direto para um bar e encherei a cara de cerveja. Decidi que meu mojito agora é você.
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