Wednesday, September 10, 2014

culpa


“Na alegria felicidade vem em dobro. (...)
Te darei toda a riqueza de uma vida: o meu amor.”

Isabela Taviani

Há anos que eu venho tentando dizer algumas coisas e não consigo. Porque você não deixa, porque eu esqueço, porque o ritmo de vida que viemos levando não permite que nos encontremos mais tão frequentemente, ainda que morando sob o mesmo teto. Mas ontem à noite, enquanto eu assistia ao seu programa de entrevistas preferido – o meu também desde que me entendo por gente – um rapaz contava uma história de amor que me lembrou nós dois. Até achei estranho porque, com exceção dos nomes das personagens, todo o resto parecia basear-se na nossa história.

Lembrei, então, que lhe devia essas poucas palavras. Não apenas para me redimir pela distância que as obrigações diárias nos força a manter, mas para que você saiba do reconhecimento que tenho por tudo aquilo que te torna responsável pelo que sou hoje. Porque, como o entrevistado dizia ontem na televisão, num caso como o nosso, a maior culpa é de uma única pessoa. E, para mim, essa pessoa é você.

É sua culpa eu não ter tempo pra você como você teve pra mim. É sua culpa que eu não te dê bom dia antes de sair de casa e não consigo te encontrar acordada ao chegar tarde da noite. Porque, afinal, também é por sua culpa que eu só chego em casa tarde da noite. É por sua culpa que, ano passado, eu me mantive longe por oito meses no exterior, praticamente incomunicável com qualquer ente da minha família.

Como forma de agradecimento – porque não há como não ser grato por me sentir inocente ante a sua culpa que tanto me ajudou a crescer – deixei a mesa posta para que tenhas um maravilhoso café da manhã. Considere-o meu último presente antes de partir novamente – dessa vez para sempre – dessa que foi nossa casa por anos.

Todos precisamos de um recomeço. E chegou nossa hora de recomeçar. Depois de assistir aquela entrevista eu percebi que é chegada a hora de eu me responsabilizar pelas culpas que o teu amor te faz carregar. Porque, ainda que não tenha sido nada além do que a sua vocação te permitiu fazer, um obrigado nunca será suficiente para expressar o orgulho que sinto de mim mesmo por sua causa.

Quando você me proibia de ir pra rua até que terminasse a tarefa; quando confiscou meu skate até que recuperasse as notas do segundo bimestre, mesmo com minha insistência em não te dirigir a palavra por dias; quando se prostrava aos pés de tantos estranhos ao longo do dia para me presentear no aniversário; quando deixava de encontrar os amigos, ainda tão jovem, porque minha febre não passava; quando se encheu de dívidas para bancar meu intercâmbio no passado; dentre tantas outras coisas que só você, mãe, poderia fazer por mim.

Amanhã começam as primeiras férias do emprego cujo concurso foi você quem me inscreveu e me forçou a fazer. Comprei nossas passagens para o Rio de Janeiro, com parada obrigatório na tal Nova Friburgo que você tanto me falou no passado. Porque se esse é o primeiro espaço de tempo livre que terei em tanto tempo, é com você que quero dividi-lo. Não foi assim que você sempre fez comigo? Cancele todos os compromissos do dia e aproveite-o para fazer as malas.

Ah! E também se despeça da casa da vovó. Quando retornarmos uma nova casa nos espera. Sim! E naquele condomínio que meses atrás inaugurou e que você mantém o panfleto guardado escondido embaixo do travesseiro, com a intenção de sonhar com a piscina no quintal todas as noites em segredo.

Hoje não tenho aula. Com todo o trabalho que você teve e toda a dedicação para que eu fosse um homem honrado, não é surpresa que minhas férias acadêmicas cheguem tão logo as provas tenham encerrado. Chego antes que você durma. É seu último café da manhã sozinha. E será sua primeira de muitas jantas em minha companhia.
 
Eu te amo.

Para sempre seu filho,
com muito orgulho

Guilherme

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