Tuesday, July 23, 2013

pedacinho do céu


Meus passos iam curtos. Seguia caminhando à beira do rio, em busca sabe lá Deus do quê. Olhava um horizonte meio perdido dentre as árvores que seguiam a curva que a água fazia logo a frente. O sol já se escondia por entre as folhas, mas deixava aquele turbilhão de cores perpetuando-se através do céu que ia escurecendo. De certo que, apesar de estar com vários objetivos na cabeça, ainda sentia o peso do fracasso sobre ela. Era como se estivesse seguindo em frente, mas seguindo para um futuro vazio. Algo estava errado. Sentei à margem do rio e me peguei a pensar. A gente passa muito tempo da vida procurando sentido nas coisas. Até perceber que, na grande maioria das vezes, a maioria dessas coisas não faz sentido nenhum. Porque costuma-se procurar sentido onde já se sabe, na grande maioria das vezes, que não há. E você só percebe isso quando é surpreendido por algo que, de certa forma, estava colocado bem à sua frente e você nunca estivera de olhos abertos para enxergar. De repente quando tudo parecia sem sentido você decidiu seguir um caminho diferente. Estabeleceu um novo foco, decidiu, se não começar do zero, pelo menos transformar seus passos numa nova caminhada. E, naquele momento, admirando a água barrenta que seguia um curso certo, eu, inerte e sem saber o curso que deveria seguir, percebi que deveria seguir um curso qualquer. Ali, naquele instante, cabeça meio vazia, pés molhados, esperança se acumulando, eu recebi um pedacinho do céu. Não precisou me abrir os olhos, que já estavam abertos. Mas encheu meu coração de paz. Me disse que no inverno ainda existem plantas que florescem. Deus me enviou um pedacinho lá de cima para me fazer crer, com toda a convicção que eu tivesse naquele momento, e da forma mais simples possível, que a gente nunca deve perder a esperança. Um pedacinho do céu apareceu do nada e encheu de alegria meus dias e aqueles pensamentos outrora vazios. Levantei e resolvi seguir minha caminhada. À beira rio, ainda. Ainda não sabia em busca do quê. O sol já havia se posto e o horizonte já não se mostrava tão colorido. Mas o céu escuro já não significava apenas que não existiam cores, apenas que eu deveria ter paciência pois elas viriam novamente pela manhã.

Friday, July 05, 2013

de volta pra casa

Eu nunca te pedi um pedido de desculpas. Nunca te pedi pra beijar meus pés e dizer que era culpado de qualquer crime que fosse para que eu voltasse atrás de qualquer decisão e me envolver novamente em teus braços. Nunca te pedi que me beijasse novamente como da primeira vez. Nunca te pedi que me dissesse eu te amo, como da primeira vez que nem de verdade ainda era. Porque eu sei que, de verdade,e você só me disse isso alguns meses depois. Tanto que naquelas três primeiras vezes que eu ouvi nem soube retribuir porque não sentia o mesmo. Eu nunca te pedi pra me apresentar ninguém, pra me incluir na sua vida, me pegar pela mão e, contra tudo e contra todos, me levar pra almoçar com a família inteira como se nada estivesse acontecendo. Eu nunca pedi pra comer o churrasco que você, humildemente, dizia saber fazer. Nunca pedi pra tomar banho na piscina que você tanto esbanjava ter. Nunca pedi pra conhecer o Rio de Janeiro. Nunca, nunca mesmo, pedi pra dividir um apartamento ou um simples café da manhã com você. Ou até mesmo aquele simples último passatempo recheado do pacote. Que, no fim das contas, eu sempre deixava pra você. Eu nunca, na verdade, te pedi pra me prometer nada. Nem amor, nem fidelidade, nem lealdade. Eu nunca te pedi nem mesmo estar ali pra mim quando eu quisesse. Eu te peço hoje. Talvez seja tarde, realmente. Talvez pedir hoje seja pedir demais. Não que eu ache, porque não acho. Porque te pedir pra mim não é pedir demais. Porque acho que já somos um pro outro sem precisar pedir além disso. Mas eu te peço além. Eu te peço além de tudo isso que nunca te pedi. Eu só te peço, hoje, que nunca, nunca mais, deixe de me pedir nada. Como eu nunca mais deixarei de te pedir nada. Porque, pensando bem, sei que amadurecimento tem muito mais a ver com o que nós mesmos temos consciência. Mas também tem a ver com aquilo que nós conseguimos pedir ao outro que faça por nós. Não que o outro seja obrigado a fazer. Mas o outro também não é obrigado a adivinhar o que nós queremos. Na verdade nós somos obrigados a dizer ao outro o que nós queremos. A cabeça que está acima do pescoço é a nossa própria. E talvez um dos maiores erros esteja aí. Os outros erram. Mas nós também erramos. Não é medida de erro. É só questão de reconhecimento. É só questão de, por mínimo valor que seja, dar um tempinho do seu dia pra poder ouvir o outro. Talvez não seja o que você quer ouvir. Mas seja o melhor, e mais honesto, que ele tem a lhe oferecer. As vezes são risadas. E não há nada mais sincero que isso. Talvez eu nunca tenha errado. Talvez você nunca tenha errado. Mas, hoje, isso não importa. Porque, hoje, erros não importam. Nem acertos, na verdade. Hoje só importa o hoje. Hoje só importa o saber que, a qualquer hora que seja, um vai estar pro outro mais que qualquer outro dia. Porque o amor - e isso, pra mim, é a verdade mais absoluta - está além do beijar na boca ou dormir junto. O amor está no simples fato de rir junto, mesmo de longe. O amor está no simples fato de pensar na mesma coisa, mesmo que separado. O amor está no simples fato de existir, sem cobrar nada em troca porque é o sentimento mais gratuito de todos.

Wednesday, July 03, 2013

a pequena princesa

Olho para minha estante de livros e me recordo do dia em que conheci uma menininha engraçada. Tinha por volta de sete, oito anos. Estávamos os dois no consultório do dentista. Ela aguardava sua mãe sair e eu seria o próximo paciente. Estava sentada ao meu lado com O Pequeno Príncipe nas mãos, mordendo o canto dos lábios. Sem qualquer apresentação ela virou-se pra mim:
- Moço, qual seu maior sonho?
Acabei por dar um sorriso meio bobo, enquanto ela repetia a pergunta, com um brilho nos olhos que era só dela. Eram olhinhos esverdeados. Crianças morenas de olhos claros são lindas. Resolvi dar-lhe atenção e fiquei a me questionar que sonho eu poderia considerar como o maior de todos. Pensei em todas as vezes que quis sair de casa e meu sonho era comprar um apartamento. Pensei na faculdade que eu fiz na esperança de uma melhor situação financeira pra realizar o sonho de fazer outro curso. Lembrei-me das horas de situação econômica precária enquanto sonhava em conseguir um bom emprego. Lembrei-me daquele carro que passei a infância inteira sonhando para ter um igual. E aquele passeio de navio que eu nunca fiz. Conhecer a Europa, talvez? Veneza seria uma boa. Ver a Terra do espaço? Talvez ter um filho seja uma boa. Formar uma família, eu poderia dizer a ela. Mas aquele livro em suas mãos não era apenas obra do acaso. E eu lembrei de todas as vezes em que eu vi o fundo do poço, de todas as decepções que eu tive, todos os pesadelos que me assustaram noite adentro e em todas essas horas eu só sonhava com a hora que tudo ficasse bem. E lembrei da única coisa que sempre me fazia voltar para meus sonhos: escrever.
- É isso aqui – eu disse enquanto apontava para a página aberta do livro – Meu maior sonho está aqui. São essas palavras, sabe? Quero conhecer todas, entender todas e poder escrever histórias sobre pessoas que fazem perguntas tão inteligentes assim como você.
Ela me sorriu. A mãe saiu da sala do dentista.
- Toma, aqui tem um monte de palavra bonita – ela disse enquanto descia do sofá e colocava o livro sobre minhas pernas.
- Mas esse livro é seu.
- Fica. Fica de presente.
Dei um sorriso meio bobo novamente.
- Só me fala uma coisa antes: e o seu, mocinha? Qual o seu maior sonho?
- Ser assim tão inteligente quanto o senhor.
Eu nunca havia lido O Pequeno Príncipe antes, mas já conhecia uma pequena princesa.