Monday, July 28, 2014

obrigado

Sinto que o melhor momento é aquele que não quer passar
E que dura toda a eternidade
E isso é só pra começar

O que vale nessa vida, vale como um bom presente
Cai do céu, um bem que a gente sente
Vem como você vem antes de eu me preparar
E me diz: vai ficar aqui, pois aqui é seu lugar

Já era madrugada. Um céu negro, sem lua e sem estrelas, tinha sua escuridão cortada pelos postes de luzes amareladas que contornavam o calçadão da beira mar. Estávamos ali em cerca de vinte pessoas. Umas poucas arriscavam molhar a barra dobrada de suas calças onde a água do mar já alcançava seus pés. Outras conversavam um longe suficiente para não serem ouvidas. E nós, você, eu e a maior parte delas mantínhamos nossas mentes concentradas em acertar os versos seguintes da canção que acompanhava o som do violão. Entre uma ou outra desafinada ou um equívoco na troca de notas, seguíamos cantando em coro para desencorajar uma provável desistência. Eu, particularmente, me preocupava mais com a interrupção de te ver olhando para mim que do que com o fim da melodia. Pelo visto os olhos me fascinam mais que a música.

Durante aqueles poucos segundos em que eu conseguia encará-lo também, minha mente criativa fantasiava que a busca de um era a busca do outro. Mas tão logo eu era trazido à realidade de que assim não o eram, desviava o olhar como que pedindo desculpas pela invasão à sua privacidade ao colocá-lo em meio aos meus pensamentos. É, acredito que culpado seja o termo mais correto para dizer como me senti diversas vezes naquela madrugada. Mas o que vinha antes – um coração quase acelerando, a respiração quase interrompida pelo sistema nervoso que davam uns tremeliques internos no braço e, principalmente, a idealização tão detalhada e nítida na minha cabeça em tão pouco tempo – conseguia tornar aquela culpa algo quase inexistente. Eu sabia que era culpa, mas não me sentia atingido por ela.

Foi assim que eu, já conformado com a realidade latente, resolvi seguir um caminho há tanto abandonado – mas nunca esquecido – e deixei que você inconscientemente ditasse as regras. Era preferível segui-las a não ter chance nem de conhece-las. Era mais ou menos como estávamos ali: o mar era o mesmo, mas era muito mais aprazível estarmos naquela praia quase deserta que em praia vizinha rodeada de bares. As vezes não ter o que se quer pode proporcionar exatamente aquilo que você precisa. E, naquele momento, eu percebi que não tinha o que queria, mas estava tendo oportunidade de ter algo que me faria tão bem quanto – quiçá mais. Dias antes havia dito que estava com preguiça de novas histórias, novos começos. Mas naquela semana fui tomado por um desejo quase incontrolável de fazer parte de algo novo. Digo quase porque não era bem o que eu queria, mas por algum motivo pareceu ser exatamente o que eu precisava.

E naquele dia, sentado na areia, ouvindo em coro alguns versos da minha banda preferida, coincidentemente a mesma sua, eu consegui perceber. Ali, pouco depois do nervosismo, dos olhos desviando constrangidos e de sentir um pouco o peso da realidade, eu consegui enxergar que não era o que eu precisava, mas quem eu precisava. E eu não ligo se pode parecer uma declaração de amor – principalmente pelo fato de saber quando realmente o sinto – mas preciso deixar registrado que você era a pessoa que eu precisava ainda sem saber. E quando penso sobre sua reação a essas palavras, imagino que eu posso não ter sido a única pessoa a ficar surpresa com essa constatação. Ou talvez eu tenha ficado tão desesperadamente contente ao chegar nessa conclusão que não me permiti controlar os sinais que deixavam isso explícito. Lembro que, por saber que não nos veríamos por um tempo, fiz o que foi possível para te convencer a ficar até o último minuto na companhia do barulho das ondas do mar. Era algo importante demais que estava acontecendo naquela madrugada e eu não podia deixar escorrer de minhas mãos tão facilmente.

Dias depois, no aniversário da dona da casa onde você se hospedara, que coincidentemente era minha amiga, nos encontramos de novo. Era, também, sua despedida. Dentro de algumas horas você estaria num avião rumo à sua cidade natal, à sua rotina, às suas pessoas, à sua vida. E naquele dia você me abraçou de um jeito que eu deveria sentir como se as pernas fossem falhar. Mas o fato de ter compreendido o quão mais importante era o que podíamos construir de outra forma fizeram com que elas se mantivessem firmes. Talvez você ainda não tenha entendido. Ou talvez tenha ficado mais confuso. Mas é fato que quando te entreguei aquele papel cheio de linhas rabiscadas com minha letra apressada eu, ao mesmo tempo, deixava as portas abertas para você entrar na minha vida. E – também ao mesmo tempo, mas inconscientemente – era ensinado mais sobre o amor, as diferentes formas de amar e, principalmente, o amor-próprio do que há muito não aprendia.

Quando eu queria que o sentimento fosse recíproco, o que eu realmente precisava era apenas sentir. Sem saber eu havia me desfeito da liberdade de apenas doar um sentimento para alguém e, assim, acabara esquecendo do quanto o sentir por si já faz um bem danado e acalenta o coração. É algo como o que aquela garota da vitrine sentia: preferia não ter e querer para sempre, do que ter e não querer mais. Não quero eternizar uma esperança infundada como ela. Mas prefiro o que tenho hoje do que o que não terei amanhã. Porque, assim como no tempo, o hoje é suficiente. Não à toa se chama presente. E presentes devem ser adequadamente agradecidos.

Obrigado por aquela madrugada à beira mar e, mesmo que depois de muita insistência, pelas horas a mais dedilhando o violão. Obrigado pela disponibilidade em, assim como eu, permitir-se adentrar o mundo de um novo alguém. Obrigado por, enquanto os postes iluminavam o calçadão, fazer surgir uma luz aqui dentro a iluminar um caminho tão puro e bom que há muito se mantinha sob sombras. Obrigado pelo abraço apertado e pela inspiração inocente – ainda assim eivada de qualquer máscara para a realidade. Obrigado pela paixão platônica responsável pela compreensão de todas as outras que eu já tive. E, principalmente, obrigado por ter vindo de tão longe para ser parte desse algo extraordinário para mim: voltar a acreditar que posso ter o mundo inteiro, um pouco mais, fazer floresta do deserto e diamantes de pedaços de vidro – ainda que o seu motivo não tenha sido esse, eu tenho certa crença nessa história de destino.

Obrigado.

Thursday, July 24, 2014

sobre amores platônicos

Tive uma vida regada de amores platônicos. Talvez, inclusive, o termo apropriado nem seja amor, porque já tenho bem definido este sentimento aqui dentro e ele nada tem a ver com Platão. Paixões platônicas, então. E não me refiro apenas àquelas pessoas com quem gastei meses – quiçá anos – de pensamentos exclusivos e total dedicação sentimental. Eu falo também daquelas que tomaram apenas alguns dias da minha atenção e até mesmo daquelas que apareceram ao amanhecer – algumas ao entardecer – e foram embora tão logo a lua tomou o lugar do sol lá no alto.

Acredito que, em todas essas vezes, o coração pulsava rápida e ansiosamente. Acredito, também, que as mãos tremiam e contagiavam o resto do corpo com aquele nervosismo. Acredito, porque não lembro exatamente se era assim que meu corpo agia. Mas eu lembro – e lembro bem – que, todas essas vezes, minha mente me fazia ter certeza que aquilo era real e ridiculamente impossível de estar em patamar mais baixo que a certeza de um amor pra vida inteira. Mesmo que eu não soubesse quase nada, pra onde estava indo, de onde estava vindo, muito menos o que diabos aquele alguém estava fazendo no meu caminho.

Esse passado, hoje, me faz rir. Porque penso no quanto era – ridiculamente – bonitinho ter todas aquelas certezas dentro de mim. Ainda que por tão pouco tempo, era incrível a dificuldade em fitar os olhos, estar perto ou simplesmente dirigir algumas palavras. Era ridículo porque depois que aprendemos algumas coisas fica difícil olhar para trás com os olhos daquela época. Mas era bonitinho. Porque todos aqueles atalhos, desvios, rios rasos e passos em falso eram, inconscientemente, vistos como esperança de dias melhores. E cada uma daquelas pessoas que causaram esse rebuliço sentimental – desde horas até anos – fizeram parte do elenco principal da minha peça sem ensaio.

Mas o que mais me faz rir – e de felicidade – é pensar sobre esse passado e, ao fitar os olhos no elenco principal atual, perceber que algumas daquelas pessoas ainda continuam lá. Porque paixões platônicas, ao meu ver, são assim: podem ir embora tal qual vieram, mas - hoje eu enxergo, e acredito nisso – sempre existirão aquelas predestinadas a nos ensinar que o patamar de amor pra vida toda não precisa ser ocupado por um único alguém. Sempre tem alguém – ou alguéns – cujo prato, independentemente do tamanho, se faz suficiente para toda a fome do mundo. Parte do elenco responsável pela minha força e coragem ao abrir as cortinas da realidade. Paixões platônicas que viraram amizade verdadeira. Paixões platônicas que, assim travestidas, abriram caminho para que eu aprendesse sobre o amor, as diferentes formas de amar e, mais importante, o amor próprio.

Claro que, enquanto paixões, era natural ter o pensamento focado apenas no que interessava aos impulsos provenientes daquele sentimento. Antes de perceber as tantas outras possibilidades daquela relação, a noite alta – ou o dia claro, ou a madrugada – revelava o quanto era impossível não cogitar um passeio pela outra pele. E o quanto, tendo tanta certeza naquele momento, não era preciso saber mais nada além do simples fato de que eu estava destinado a um final feliz para sempre. E, apesar de não poder dizer o mesmo sobre todas as paixões platônicas que tive, eu posso afirmar com toda a certeza do mundo que, independentemente da real travessia em comum até aqui, a minha certeza de um final feliz se concretizou.

Final feliz. Aquilo que eu entendo não como uma história livre de erros, fracassos ou derrotas, mas como uma história que se construiu sabendo da humanidade do outro. Uma história com arrependimentos e decepções que se fizeram necessárias para fortalecer as fraquezas e valorizar as vitórias. Um final feliz de uma história imperfeita, como eu acredito que a vida deve ser. É assim que eu explico a herança daquelas paixões platônicas que ainda se mantém firmes como parte do meu elenco principal. Assim eu explico o amor que fica nessa parada da vida, quando nos damos conta do que há além de nossas próprias certezas. Aquele amor que, inicialmente travestido com a impulsividade da paixão, chegou devagar, como quem não quer nada, sem dar aviso. Um final feliz. A certeza de um final feliz. Essa que ainda hoje é tão latente entre meus anseios. Não é preciso saber mais nada.

'...Quero ser prudente
E sempre ser correto
Quero ser constante
E sempre tentar ser sincero
...
Não é desejo, nem é saudade
Sinceramente, é de verdade...'