Saturday, May 24, 2014

setubro '74

Menina!
Que um dia eu conheci criança
Me aparece assim de repente
Linda, virou mulher

Vou dizer que era trinta de setembro. Quase primeiro de outubro. Aliás, digamos que tudo aconteceu quando o tempo parou à meia noite entre um mês e outro. O mês do meu ano novo e o mês do seu. Assim, tão próximos. Não no mesmo, só pra firmar ainda mais que temos as nossas diferenças. Mas ali, colados um mês no outro, para atestar o lado a lado que vivemos desde aquela meia noite, aos zero segundos e zero quaisquer outras medidas de tempo que existam.

Digo isso porque não sei dizer exatamente quando tudo aconteceu. É que foram tantos encontros, desencontros e reencontros que fica difícil atestar o momento certo em que fundimos aqueles pedaços dos nossos corações que deveriam pertencer um ao outro já desde sempre. No entanto, apesar de tão metódico em relação aos números representantes de datas na minha vida, não me interessa saber o momento exato em que aprendemos a nos tornar apenas um, sem perder nossa própria individualidade.

Percorremos caminhos diferentes desde que dividimos a sala de aula. Eu era o que você pode chamar hoje de praticante de bullying. Você era uma das minhas vítimas. Eu era o melhor amigo do mundo para várias pessoas. Você me queria como melhor amigo àquela época, porque, mesmo inconscientemente, eu acredito que você via algo de bom em mim. Eu não dava a mínima e, enquanto exemplo de melhor amizade, peço perdão por não ter o sido assim pra você. Eu era um escroto. Sim, eu era muito escroto.

O fato é que diversos dos meus amigos de hoje são pessoas com quem eu tive alguma desavença no passado. Existem exceções, claro. Mas você faz parte da regra. Da (minha) regra que ótimas e verdadeiras amizades podem nascer de discordâncias do passado. Hoje isso é mais difícil de acontecer, de certo. No passado, quando nos conhecemos, éramos crianças com outra noção de certo/errado. Alguns erros realmente não se repetem hoje.

Mas era meia noite. O tempo parou com vários zeros para que não se soubesse se era setembro ou outubro. Porque o próprio tempo sabia que não deveria existir uma data específica pra gente. Porque, inclusive, nunca ouve. Àquela meia noite ficou estática temporariamente só para que pudéssemos nos certificar que nossas histórias não podem ser datadas. Mesmo, por vezes, lembrando coisas do passado, situações compartilhadas e segredos nossos, a gente se preocupa muito mais em falar que vivemos isso ou aquilo do que quando o fizemos.

E, não adianta, nós somos atemporais. Porque, como eu já disse, foram tantos encontros, desencontros e reencontros que esse amor que sentimos um pelo outro - e que se manteve, vez ou outra, adormecido - é o suficiente para que acreditemos na verdade que nos rodeia quando estamos juntos. Porque, também - mesmo com tantos encontros, desencontros e reencontros -, a nossa troca de olhares, palavras e sorrisos verdadeiros nunca nos abandonou. Nascemos um para o outro sim. Não exatamente como alguns podem querer. Não exatamente, claro, como - ainda - esperamos que alguém apareça pra gente. Nascemos um pro outro desse nosso jeito único e particular.

A gente não pode prometer que vai estar junto a vida inteira. Essa promessa é feita na igreja e, sabe-se lá quantas vezes, ainda pode ser quebrada. O que eu posso prometer - e eu reconheço a reciprocidade da sua parte - é sempre fazer o meu melhor para que, independente de qualquer outro desencontro que tenhamos, estejamos para sempre nos reencontrando. E se algum dia eu falhar em fazer a minha parte, eu sei que você vai estar lá para garantir o sucesso de mais um encontro lindo, amoroso, saudável e feliz.

Dizer que daria minha vida por alguém é algo muito forte de se dizer. Só sabemos isso, acredito eu, na hora que algo realmente acontece para forçar tal situação. Mas uma coisa eu garanto: você é uma das poucas pessoas a quem eu entregaria a minha vida numa caixinha para cuidar. Porque eu confio em você assim como eu sei o quanto que você confia em mim. E, se a confiança não é suficiente para você acreditar nas minhas palavras, te deixo de bandeja mais algumas que representam você pra mim: lealdade, amizade, cumplicidade, irmandade e, principalmente, amor. Eu te amo. Muito obrigado por um dia, mesmo que inconscientemente, ter me dado uma chance de te provar que eu conseguiria ser uma boa pessoa.

A sua fé em mim é um dos pilares que me sustenta. Obrigado.

Sunday, May 18, 2014

e quando menos se espera

oi, tudo bem? há quanto tempo não nos víamos, não? então... é que depois do nosso encontro eu senti uma necessidade de te falar algumas coisas. não é que eu não tenha tido coragem de falar antes, mas é que eu sei me expressar melhor escrevendo, você já sabe. e, considerando também o fato de que o nosso encontro foi uma surpresa, eu passei os últimos dias pensando sobre coisas que deveria ter dito e não disse. ou que talvez não fosse a hora de dizer, vai saber.

lembro bem quando brincava que pra tudo na vida existe uma primeira vez, sempre deixando nas entrelinhas - ou não - que o responsável por tal momento seria eu. a brincadeira tinha seu fundo de verdade, claro, mas eu sei da importância das primeiras vezes - pelo menos pra mim elas são importantes - e não achava justo ser o responsável por isso. apesar da sua inocência ter, de certa forma, me conquistado, eu ainda não estava completamente desligado do passado para ficar marcado como o desbravador do desconhecido para alguém. além do mais eu não acreditava sequer na possibilidade de que você tivesse algum interesse nisso.

eu não sou muito autoconfiante, sabe? tenho um problema com autoestima que torna quase impossível reconhecer qualquer interesse de outra pessoa por mim. então foi mais fácil abandonar os corredores e deixar o pensamento fluir para outros lugares. foi fácil meio que fingir que você não existia. mas, em algum lugar lá no meu subconsciente, aquela inocência - algo que dificilmente encontramos em alguém - conseguira se manter guardada.

eu não quero dizer que você foi obra de alguma santidade. mas essa pureza que você transmite - talvez a maior responsável pelas pessoas gostarem tanto de você - eu só senti quando na presença das minhas crianças. e não, eu não quero dizer que você é criança, mesmo em tão tenra idade. eu quero que você entenda que eu acredito que se o mundo tivesse mais pessoas como você, pecadoras sim, mas, ao mesmo tempo, capazes de espantar as adversidades com sua pureza, ele seria um lugar muito mais bonito de se morar.

e o mais engraçado disso é que eu só descobri isso dois anos depois. eu precisei de dois anos, completamente dedicados em não focar apenas para um lado, para chegar aqui e finalmente descobrir o por quê de você me intrigar tanto. foi quando aquela inocência saiu do subconsciente, exteriorizando-se nas palavras que saíam, com os lábios as vezes tremendo, da sua boca. então eu quis ser o primeiro sim. eu já sabia que minha autoestima baixa errara mais uma vez, quando me deixara alheio aos sinais de que você também ansiava por aquilo. dessa vez eu sabia que podia ser responsável por aquele momento. e prometo que pode guardá-lo como um momento importante. foi tão importante pra mim quanto foi pra você. obrigado pelas lembranças tão puras.

Saturday, May 17, 2014

do amor escrito para a eternidade

você já deve ter passado por isso: conhece alguém - de vista, o aluno da outra ponta da sala, a amiga da amiga, o colega de trabalho do outro setor, etc - e atesta, por uma feição ou frase ou gesto, com exceção das vezes que o santo simplesmente não bate, que ela é antipática e não fará parte do seu círculo de amizades de jeito nenhum. cara de enjoada, nojenta, antipática e outros derivados são os adjetivos que você escolhe para se referir a esse alguém. sim, isso ainda acontece. hoje com critérios bem mais seletivos, claro. mas quando a gente é novinho, tem onze anos e acha que o fato de usar óculos e ser um dos nerds da sala lhe dá motivo para se achar além do que deveria, qualquer sinal de antipatia - que você só aprende com o tempo que, na verdade, aquele é o jeito da pessoa e pronto - é motivo para um sentimento de aversão.

lá na minha quarta série eu comecei a estudar com ela. sei, hoje, que ambos não íamos com a cara do outro. eu era chato, ela tinha cara de riquinha antipática. apesar de eu acreditar que ela era completamente louca para ser minha amiga, mas preferia não assumir isso. ou seria eu? isso tem quinze anos. e, pra ser bem sincero, se tínhamos esse interesse oculto ou não, não interessa. porque pouco tempo depois se tornou público que compartilhávamos um caderno às escondidas, onde mantínhamos entre nós os maiores segredos - ridículos, olhando de hoje - que não contávamos pra mais ninguém.

não acreditei quando meus pais permitiram que eu viajasse para deixá-la em São Paulo. era a primeira vez que viajava com pessoas estranhas. nenhum parente - e pode buscar aí quantos graus de parentesco quiser - iria comigo. era eu e quatro pessoas com olhos completamente diferentes dos meus dentro de um carro. eu me considerava um agregado. até poucas horas depois de entrar no carro e me sentir em casa. meus pais não me deixaram viajar com estranhos. eles me deixaram viajar com aquela que seria o que hoje eu considero minha segunda família. talvez mamãe já soubesse disso no seu subconsciente quando permitiu que eu fosse com eles. vocês sabem como são as mães: mesmo sem saber, elas sabem de tudo.

lembro da primeira vez que andei de metrô. lembro do quanto eu quis voltar pra casa e ser igual aqueles colegas de classe dela. lembro de aprender a lavar a louça. lembro do desespero quando dei pela minha carteira roubada. lembro do encantamento que senti nos olhos quando cheguei ao hopi hari. lembro do quanto me atrapalhei ao tentar manusear um hashi na primeira vez em que pisei num restaurante japonês. lembro que sentia um certo asco por comida crua - hoje, quem diria?. lembro de um delicioso shitake que comi pensando que era frango. lembro de alugar filme na famosa blockbuster. lembro de subidas e decidas pelo elevador do apartamento. lembro de quando passei mal, também, claro. lembro que brigamos.

lembro que vim embora achando que todas aquelas promessas feitas anteriormente - amigos para sempre, cartas todo mês, telefonemas todos os dias, dentre outras - não se concretizariam mais. percebi, no caminho de volta pra casa, que a distância iria nos separar. outros amigos viriam pra ambos, tomando o lugar que outrora fora do outro. São Paulo ofereceria uma diversidade infinita de pessoas muito mais legais que eu, que apagassem a luz antes de deitar. Rio Branco ofereceria pessoas mais sentimentalistas, que soubessem se expressar além das folhas daquele caderno.

aconteceu. não exatamente dessa forma, mas algo aconteceu. aconteceu que, ao invés daquela distância nos levar para lados opostos, ela transformava cada reencontro em uma coisa inexplicável. trocamos muitas cartas nos primeiros meses. uns ou outros telefonemas. passamos para a troca de e-mails. e, um bom tempo depois, a quase mais nenhum contato enquanto distantes. realmente outros amigos vieram. lá e cá. mas a cada temporada de férias era como se nos encontrássemos carregando uma bagagem de aprendizado do lugar onde estávamos. saímos das palavras escritas para as conversas na calçada. deixamos de escrever e passamos a falar. e a compartilhar das amizades que ambos íamos conquistando. ela quando de férias. eu pela abençoada internet.

crescemos. viramos adultos. faculdade, trabalho, namoros, hobbys. mais uma infinidade de coisas passaram a fazer parte da nossa vida. mas aquela cumplicidade, amizade, confiança e amor, que construímos conforme os anos se passaram, impedia que certas coisas fossem ditas se não no olho a olho. foi assim que eu voltei a São Paulo para uma visita de quatro horas. foi assim que eu pude, mesmo que tão pouco, exteriorizar a importância dela pra mim. e eu sei que ela soube disso. porque, ainda hoje, tem coisas que a gente não fala. mas a gente se entende, a gente sabe e a gente percebe.

o fato é que quinze anos se passaram desde que não íamos um com a cara do outro. dez anos se passaram até dividirmos novamente nossos aniversário, sempre tão próximos, mas geograficamente distantes. e, se não trocamos cartas todos os meses como prometemos, ou e-mail a cada quinze dias, ou telefonemas uma vez por semana, uma coisa eu tenho certeza que nós fizemos: comprovar que amigos para sempre não é apenas um clichê barato, mas uma realidade que pode ser vivida. porque nós vivemos isso. nós estamos vivendo isso. é um casamento sem marido e mulher, mas com amor tão forte quanto. é um casamento sem a profecia de que a morte nos separará. porque não existe outra coisa que defina mais esse sentimento mútuo que a própria eternidade.

Wednesday, May 14, 2014

filhos do sono

sonhos: melhor não tê-los. mas, se não tê-los, como sabê-los?