Monday, September 03, 2012

aquele verão

- teve um verão, minha filha - começou o pai para a filha de dezessete anos, que havia acabado de terminar um relacionamento e achava que o mundo tinha acabado - lá pelos meus vinte e três anos, em que o mundo desabou. eu fui de encontro ao chão em questão de horas, minutos, segundos. numa atitude insensata eu consegui fazer minha vida virar ruína naquele momento. e dali foram se passando dias, semanas, meses. eu perdi as esperanças, sabe? cheguei a desistir de procurar um sentido pras coisas. a única certeza que eu tinha era a de que não haveria recuperação. até mesmo depois do retiro na qual passei pouco mais de quinze dias eu achei que definitivamente nada haveria de melhorar. e então eu segui com a vida. e as coisas começaram a se encaminhar. devagarzinho, sem que eu mesmo percebesse. tudo foi se encaixando, aos pouquinhos minha vida foi voltando ao normal. eu sofri muito durante pouco mais de seis meses. mas o sofrimento foi diminuindo a partir daí.
- eu não aguento um ano, pai.
- eu achava o mesmo, ana. mas eu aguentei. foi daí a maior lição que eu tirei da minha vida. a gente nunca vai receber de Deus um fardo maior do que possamos carregar. infelizmente a gente só percebe isso depois que tudo passa. eu não estou falando tudo isso pra você simplesmente deixar pra lá que passa. depois de se encantar, você precisa passar por todo o processo: a decepção, o sofrimento, a aceitação, a redenção e, por fim, a liberdade. mas você é minha filha e meu trabalho como pai é apenas mostrar uma parte do caminho. e, se alguma coisa quiser te machucar, reza. talvez eu não tenha confiado tanto nisso naquela época e por isso passaram-se tantos meses para que as coisas melhorassem. mas depois que tudo aconteceu, eu sempre rezo pra agradecer por tudo que Deus veio me proporcionando todo esse tempo.
- só isso? rezar?
- não, meu amor, rezar é só uma parte de tudo isso. você tem que aprender, cair no chão pra levantar, ter auto-crítica, literalmente se tornar independente. não que você não vá precisar das pessoas. mas antes disso acontecer você tem que precisar de si mesma primeiro. confie em você. assim as coisas hão de melhorar. eu amo você. e estou aqui para o que precisar. mas saiba que na hora que eu souber que alguma lição você vai tirar da situação, eu vou deixar você ir lá sozinha. aqui, no nosso mundo, a gente só cresce assim. tenta dormir. amanhã é um novo dia - completou lhe dando um beijo na testa.
- boa noite, pai.

Sunday, September 02, 2012

bilhetes

Cheguei. Era tarde já. Você dormia em nossa cama. Eu estava sem sono. Acabei por, na ponta dos pés, colocar o nosso pufe próximo da cama e sentei-me nele pra te admirar. Tentava não fazer barulho nem com a minha respiração. Tudo pra não atrapalhar seu sono. Lembrei da primeira vez que dormimos juntos, depois daquele primeiro mês de namoro. Você relutou bastante e eu acabei tendo que ficar mais de um mês sem dormir com ninguém. Sim, porque te fui fiel desde o dia em que te conheci. Nunca te traí nem por pensamentos, que foram todos seus. E foi uma noite maravilhosa. Fizemos amor de uma forma tão conectada que não sei como não ficamos ali para sempre. E aí naquele dia você acabou me fazendo café da manhã, lembra? Acordou mais cedo, foi ao mercado, arrumou a mesa inteira e me deixou um bilhete de bom dia antes de voltar pra sua casa. Agora moramos juntos. E eu talvez ande trabalhando demais. Então talvez seja a hora de eu retribuir o carinho. É por isso essa mesa toda posta essa manhã. Eu amo você, meu amor. Bom dia!


Seu,
Augusto