Saturday, May 17, 2014

do amor escrito para a eternidade

você já deve ter passado por isso: conhece alguém - de vista, o aluno da outra ponta da sala, a amiga da amiga, o colega de trabalho do outro setor, etc - e atesta, por uma feição ou frase ou gesto, com exceção das vezes que o santo simplesmente não bate, que ela é antipática e não fará parte do seu círculo de amizades de jeito nenhum. cara de enjoada, nojenta, antipática e outros derivados são os adjetivos que você escolhe para se referir a esse alguém. sim, isso ainda acontece. hoje com critérios bem mais seletivos, claro. mas quando a gente é novinho, tem onze anos e acha que o fato de usar óculos e ser um dos nerds da sala lhe dá motivo para se achar além do que deveria, qualquer sinal de antipatia - que você só aprende com o tempo que, na verdade, aquele é o jeito da pessoa e pronto - é motivo para um sentimento de aversão.

lá na minha quarta série eu comecei a estudar com ela. sei, hoje, que ambos não íamos com a cara do outro. eu era chato, ela tinha cara de riquinha antipática. apesar de eu acreditar que ela era completamente louca para ser minha amiga, mas preferia não assumir isso. ou seria eu? isso tem quinze anos. e, pra ser bem sincero, se tínhamos esse interesse oculto ou não, não interessa. porque pouco tempo depois se tornou público que compartilhávamos um caderno às escondidas, onde mantínhamos entre nós os maiores segredos - ridículos, olhando de hoje - que não contávamos pra mais ninguém.

não acreditei quando meus pais permitiram que eu viajasse para deixá-la em São Paulo. era a primeira vez que viajava com pessoas estranhas. nenhum parente - e pode buscar aí quantos graus de parentesco quiser - iria comigo. era eu e quatro pessoas com olhos completamente diferentes dos meus dentro de um carro. eu me considerava um agregado. até poucas horas depois de entrar no carro e me sentir em casa. meus pais não me deixaram viajar com estranhos. eles me deixaram viajar com aquela que seria o que hoje eu considero minha segunda família. talvez mamãe já soubesse disso no seu subconsciente quando permitiu que eu fosse com eles. vocês sabem como são as mães: mesmo sem saber, elas sabem de tudo.

lembro da primeira vez que andei de metrô. lembro do quanto eu quis voltar pra casa e ser igual aqueles colegas de classe dela. lembro de aprender a lavar a louça. lembro do desespero quando dei pela minha carteira roubada. lembro do encantamento que senti nos olhos quando cheguei ao hopi hari. lembro do quanto me atrapalhei ao tentar manusear um hashi na primeira vez em que pisei num restaurante japonês. lembro que sentia um certo asco por comida crua - hoje, quem diria?. lembro de um delicioso shitake que comi pensando que era frango. lembro de alugar filme na famosa blockbuster. lembro de subidas e decidas pelo elevador do apartamento. lembro de quando passei mal, também, claro. lembro que brigamos.

lembro que vim embora achando que todas aquelas promessas feitas anteriormente - amigos para sempre, cartas todo mês, telefonemas todos os dias, dentre outras - não se concretizariam mais. percebi, no caminho de volta pra casa, que a distância iria nos separar. outros amigos viriam pra ambos, tomando o lugar que outrora fora do outro. São Paulo ofereceria uma diversidade infinita de pessoas muito mais legais que eu, que apagassem a luz antes de deitar. Rio Branco ofereceria pessoas mais sentimentalistas, que soubessem se expressar além das folhas daquele caderno.

aconteceu. não exatamente dessa forma, mas algo aconteceu. aconteceu que, ao invés daquela distância nos levar para lados opostos, ela transformava cada reencontro em uma coisa inexplicável. trocamos muitas cartas nos primeiros meses. uns ou outros telefonemas. passamos para a troca de e-mails. e, um bom tempo depois, a quase mais nenhum contato enquanto distantes. realmente outros amigos vieram. lá e cá. mas a cada temporada de férias era como se nos encontrássemos carregando uma bagagem de aprendizado do lugar onde estávamos. saímos das palavras escritas para as conversas na calçada. deixamos de escrever e passamos a falar. e a compartilhar das amizades que ambos íamos conquistando. ela quando de férias. eu pela abençoada internet.

crescemos. viramos adultos. faculdade, trabalho, namoros, hobbys. mais uma infinidade de coisas passaram a fazer parte da nossa vida. mas aquela cumplicidade, amizade, confiança e amor, que construímos conforme os anos se passaram, impedia que certas coisas fossem ditas se não no olho a olho. foi assim que eu voltei a São Paulo para uma visita de quatro horas. foi assim que eu pude, mesmo que tão pouco, exteriorizar a importância dela pra mim. e eu sei que ela soube disso. porque, ainda hoje, tem coisas que a gente não fala. mas a gente se entende, a gente sabe e a gente percebe.

o fato é que quinze anos se passaram desde que não íamos um com a cara do outro. dez anos se passaram até dividirmos novamente nossos aniversário, sempre tão próximos, mas geograficamente distantes. e, se não trocamos cartas todos os meses como prometemos, ou e-mail a cada quinze dias, ou telefonemas uma vez por semana, uma coisa eu tenho certeza que nós fizemos: comprovar que amigos para sempre não é apenas um clichê barato, mas uma realidade que pode ser vivida. porque nós vivemos isso. nós estamos vivendo isso. é um casamento sem marido e mulher, mas com amor tão forte quanto. é um casamento sem a profecia de que a morte nos separará. porque não existe outra coisa que defina mais esse sentimento mútuo que a própria eternidade.

1 comment:

Nato said...

Ah, vocês de Rio Branco... há um lirismo no ar de vocês, algo que favorece aquele que escreve.
Um dia desses mesmo eu estava tentando lembrar o nome do teu blog, achei, que bom!
A amizade, aquela bonita que passa dos primeiros anos da escola, do ensino médio confuso e das tantas outras esferas sociais, apesar da distância, é tão sublime.

Abraço!