Desculpa esse meu jeito tão sem graça, mas é que eu não imaginei que pudéssemos nos encontrar no mercadinho da esquina tanto tempo depois. Você se mudou para outro bairro, não imaginei que ainda frequentasse esse. Mas, ao que me parece, eu fiquei mais surpreso que você. Tem certeza que não foi de propósito? Ah, foi? Quer dizer que são exatamente dez e meia da noite e você está aqui sentado desde as onze da manhã? Eu até acreditaria, não fosse pelo fato de você não saber que o mercadinho já não abre mais antes das quatro da tarde. Vou fingir que acredito, ok? Mas fico curioso. Que interessante de repente você aparecer, seis meses depois de ter fechado a porta na minha cara sem dar um adeus, e dizer que estava me esperando. Saudade? Aham. A saudade que você fala eu conheço como um “precisei vir marcar ponto da sua vida”. Mas você nunca precisou disso. Ainda mais tanto tempo depois... Ah, deve ser porque soube que eu conheci alguém. É, é a única explicação. Foram te contar que eu viajei pra Itália, me apaixonei, voltei pro Brasil e ele veio morar comigo. É isso, não é? Assume. Não adianta negar. A cara que você faz quando te pergunto isso já esclarece minha dúvida. Mas e aí, o que te falaram mais? Nada? Tudo bem, eu sei que deve ser difícil pra você conversar sobre isso. Quando me contaram que você saiu da nossa casa diretamente pra morar em outra eu também fiquei do mesmo jeito. Não queria falar sobre isso. Mas hoje eu to bem, to bem sim. Posso ainda não saber direito o sentido da vida, mas já percebi que definitivamente não é você. Olha que interessante! Pensar nisso há seis meses fazia meu mundo ruir. Agora eu vejo um pouco do seu mundo ruindo também. Que encontro, não? Será que você esperava que eu lhe convidasse para uma xícara de café a essa hora da noite? Se bem que eu não poderia, afinal tenho visitas em casa, não é? Mas porque você já vai? Você costumava ser mais firme nas coisas que fazia. Estranho te ver assim, tão sensível. Quando você bateu a porta naquela vez parecia não haver qualquer sensibilidade aí dentro. Mas tudo bem, eu entendo. Já está tarde e devem estar lhe esperando pra dormir. Beijo, abraço, aperta forte e sente o cheiro do perfume que você me deu. Que foi? Ta sorrindo por que? Ah, o fato de eu estar usando o perfume que você me deu significa que eu não esqueci você. É, eu não esqueci. Só que também não faço questão de lembrar. Nos vemos uma outra hora. Até logo, até breve, adeus. Volto para casa novamente. Não há outro sapato, não há TV ligada, nenhuma toalha extra molhada em cima da cama, e muito menos alguma outra pessoa a dividir o quarto comigo. Não conheci ninguém e ainda sonho quando conhecerei a Itália. Mas você não precisa saber disso.
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