Saturday, September 20, 2014

flor da pele



“...Um barco sem porto, sem rumo, sem vela, cavalo sem sela
Bicho solto, cão sem dono, menino bandido, as vezes me preservo...”
Zeca Baleiro 

Hoje, quase que propositalmente, passei todo o dia pensando em você. Deixei o modo aleatório da sua playlist me presentear com algumas músicas ótimas a caminho do trabalho, reli alguns escritos na expectativa de vê-los publicados, salvei parte de suas fotos para realizar um sonho (daqueles que todo mundo sonha junto e é lindo, sabe?), olhei pro céu tentando encontrar nas nuvens aquele sorriso com queixo inclinado (na expectativa de que eu pudesse ser autor de ao menos um retrato teu), entre tantos outros mínimos detalhes dessa sexta-feira que eu te dediquei quase todos os meus pensamentos. Porque cada conversa que eu tive, boa parte lembrando coisas do passado que me ajudaram a crescer, eu te tinha ali perto, na imaginação.

Esses dias uma lasanha aparentemente vencida atacou meu organismo. Fiquei com aquela cara de cachorro mal tratado o dia todo, dando origem aos questionamentos sobre minha feição entristecida. Por um momento eu me perguntei se era realmente a lasanha ou aquele apego ao desconhecido que vinha se instalando há alguns dias. Provavelmente uma soma dos dois, não é? Dizem que, quando a cabeça não está bem, o corpo desfalece. Mas eu gosto de pensar, sabe? Gosto de pensar muito antes de chegar a uma conclusão. E isso, essa paciência com que fui divinamente presenteado nos últimos meses, me fez enxergar que para a lasanha tinha remédio e, para você, eu tinha as palavras. Então tratamento existia, mas a pergunta que ficava era: cuido do problema antes que piore ou me deixo levar pela falsa lembrança de um encontro que eu, pensando racionalmente, nem sei se iria acontecer?

Será que você – ora que ironia – agora que não está em vida, me dá um sentido para viver? Será esse o sentido que a alma encontrou para se conformar com o fato de que você não está mais aqui para que eu possa lhe encontrar? Eu olhava para os lados e tudo parecia meio preto e branco, como se forçando o sumiço das imperfeições que as duas cores escondem na beleza de uma fotografia nesses tons. Então hoje eu olhei para cima e sorri, me permitindo a fé de acreditar que – como essa alma me faz crer no quanto o mundo é mais bonito quando você está nele – te manter em segredo é o mesmo que privar esse mundo de tudo aquilo que eu acho que vale à pena na vida: amor. E aquele preto e branco se desfez num jardim repleto de flores, fazendo com que hoje o dia fosse repleto de cores: nos sorrisos, nas lembranças, nos pequenos gestos, mas, principalmente, na percepção de que a realização de um também pode ser a realização do outro. 

É loucura, dirão uns. Mas o que é a loucura se não o próprio viver? Esse estar à flor da pele que tantos como nós, tantos e tantos outros, estamos quase vinte e quatro horas por dia? Que seja loucura, oras. Até me convenço que o é, porque é dar nome ao que se apresenta como desconhecido – o que, de certo, me causaria uma despressurização interna. E, mais que isso, se essa loucura me permite enxergar mais claramente ainda o quanto aquele sentimento é realmente o que mais vale à pena na vida, eu não tenho nenhum receio em me nominar louco. Porque eu sei o quanto não te faltou amor. Mas, às vezes, sem querer, a descrença e a decepção – que deveriam atingir a maçã posta sobre nossa cabeça – atingem direto no coração, dando vitória ao mal naquela disputa eterna com o bem pelo alvo de maior pontuação. E eu acredito que o bem sempre prevalece. Por isso ele sacrifica o coração, fazendo-o sempre bater mais forte sob qualquer tipo de emoção: o disfarce faz com que o mal esqueça que o que realmente importa está por detrás dos olhos, onde sua alma se mantém intacta.

Estar à flor da pele é bem melhor que estar caminhando junto à inércia – de que adianta uma disputa pelo último lugar? Deixo as flores percorrerem meu corpo sem demonstrar qualquer motivo para que interrompam a dança. É bom encontrar algo a que se agarrar. Se não for isto uma loucura, já que acredito na possibilidade de o ser, que seja então esse eterno confronto entre realidade e imaginação minha fonte de inspiração para continuar. Não há nada de ruim nisso. Qualquer que seja o motivo, louco ou são, se ele é capaz de fazer enxergar um sentido antes mesmo que este se faça presente é porque não se deve desistir dele. Às vezes a gente desiste de si mesmo, é verdade. Mas sempre haverá alguém para continuar de onde se parou. É assim que pessoas como você, incríveis demais para o pouco que este mundo oferece, ficam para a história.

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