Monday, September 01, 2014

primeiro beijo

Desde criança eu tinha pânico. Lembro de minha mãe me segurando com força para beijar minha bochecha e eu me debatendo querendo que ela me soltasse. Primeiro que eu nunca gostei muito de agarramento. E, segundo, qual era a necessidade de tocar outra pessoa com a boca? As mãos não serviam justamente pra isso? Um abraço já não era suficiente para demonstrar afeto?
 
Com quatorze anos fui surpreendida com uma declaração de amor do meu melhor amigo. Acreditei, pelo fato de nossa relação ser muito próxima, que o sentimento pudesse ser recíproco. Mas quando ele tentou me beijar na boca, naquela sessão de cinema que dizíamos ser nosso primeiro encontro, eu dei um grito no meio do filme. O pedido de silêncio da plateia foi geral e eu só consegui reagir levantando e saindo correndo naquele momento mesmo.

Sim, gostei quando ele envolveu um dos braços ao meu redor, enquanto acariciava minha mão com a dele. Não só gostei como acreditava que aquilo era suficiente para que pudéssemos nos considerar namorados. Beijo na boca pra quê? Será que ele não se incomodava com o fato de, minutos antes, eu ter comido um saco enorme de pipoca? Precisei ir ao banheiro vomitar só de pensar naquelas cascas de milho estourado navegando pela saliva dele.

Logo me tornei a lésbica da escola. Ainda que mais tarde eu realmente fizesse jus a tal orientação, me incomodava o fato de assim o ser apenas porque nunca me tinham visto beijando garoto algum. Na colação de grau do ensino médio ainda tentei me render aos encantos daquele meu melhor amigo, mas, tão logo o álcool o encorajou a tentar novamente juntar nossos lábios, ele derrubou uma das mesas de frios depois do empurrão que eu dei, causando a cena mais histórica daquela festa.

Dois meses atrás, então, eu a conheci. Antes que pudéssemos dar início à nossa história comum, eu avisei da minha repulsa quanto àquele beijo que ela considerava seu maior objeto de desejo. Rindo – aparentemente descrente do que eu acabara de falar – ela disse que respeitaria meu espaço. Do lado de cá eu também ri. Imaginei que, ainda assim, ela tentaria me beijar e que ficaria surpresa quando eu corroborasse o que dissera antes afastando-a de mim.

De fato eu estava certa. Ela tentou. E realmente ficou surpresa. Mas sua reação inesperada deu-se justamente porque eu também estava errada. Porque não a afastei. Quando ela, educadamente, perguntou se podia invadir meu espaço, eu apenas fechei os olhos, convidando-a a fazê-lo. Sem perceber eu acabei entendendo que o que vinha sentindo nas últimas semanas era sintoma da tal paixão, que outrora acreditei suprir pelo meu melhor amigo.

Descobri, ali, que não era nojo o que eu sentia. Desde pequena, inconscientemente, eu esperava por aquele momento. Percebi, naqueles poucos segundos em que ela invadiu meu espaço, que, ao contrário do que eu pensava, o beijo era algo essencial para selar um compromisso já firmado pelo coração. Esse músculo louco que ansiava pelo conforto, segurança e confiança de um outro como ele. Ela dizia que precisava de mim. Mas, ali, quando nossos lábios se tocaram, eu percebi que era eu quem precisava dela.

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