Eu deito aqui ao seu lado, enquanto você dorme. Esse sono tão sereno que pouquíssimas vezes eu me dei o atrevimento de atrapalhar. Olho para a sua boca, entreaberta, e lembro daquele primeiro beijo que demos. Dois adolescentes apaixonados, querendo agarrar o mundo com as pernas, que se encontraram na festa do amigo em comum. Típico começo de filme de amor. E o nosso daria um belo filme, diga-se. Olho para os seus cabelos sempre puxados para um dos lados e recordo-me nossa lua de mel nas praias do Rio de Janeiro, quando o vento fazia seus cabelos dançarem sob aquele sol delicioso da manhã. Seus olhos fechados me remetem àquele dia em que fiz um jantar para você pela primeira vez, em que te vendei para te fazer surpresa. Suas mãos em oração me fazem lembrar nosso casamento, onde eu cantei em público pela primeira vez. E dentro de uma igreja. Então passeio com meus olhos pela sua pele. E é o que eu acho mais lindo em você hoje. O que para alguns é marca da idade – e o é – para mim é a tradução perfeita da palavra amor. Porque cada marquinha dessa eu vi surgir, cada uma delas eu soube receber. Eu olho pra você ao meu lado e me passa um filme na cabeça de tantas coisas lindas que vivemos. O primeiro beijo; o cabelo esvoaçando; o jantar surpresa; o casamento; nossa formatura; o nascimento do nosso filho e o sofrimento na primeira noite em que ele dormiu na casa do coleguinha; o lançamento do seu primeiro livro; o nosso primeiro neto, cujo nome você foi convidada a dar e resolveu me homenagear, e a netinha que veio logo depois; nossas aposentadorias, tão bem aproveitadas conhecendo todos aqueles lugares que anotávamos num caderno e que desejávamos conhecer. Então eu me vejo de frente pra você e percebo que esse foi o lugar em que eu sempre quis estar. E você abre os olhos, quase fechados e me pergunta com aquela vozinha doce já carregada pelo tempo porque eu ainda estou acordado, enquanto se vira para o outro lado. Eu dou um sorriso e ponho meus braços à sua volta. Estou apenas guardando mais uma lembrança sua.
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