Saturday, August 16, 2014

nós


(...) As prisões afetivas nascem das nossas expectativas. Então muitas vezes nós aprisionamos o outro nas nossas expectativas. E porque que depois a gente não consegue se livrar? Porque também não conseguimos nos livrar da ilusão que criamos pra ele. Sabe como é que uma pessoa se recupera disso? Quando ela tem coragem de reconhecer: eu não perdi tanto assim, porque na verdade a pessoa que eu achava que eu amava nunca existiu, ela foi uma projeção minha. Quando a pessoa consegue fazer essa reflexão, ela se liberta como se fosse tirado dela uma infecção que antes a estava matando. (...)


Andei sabendo que as coisas por aí estão difíceis. É duro se decepcionar com aquele alguém de quem só esperávamos surpreendermos, não? Eu sei, conheço essa dor. Já passei por isso e não foi nada fácil. É como se, mesmo sabendo que podemos nos eximir da culpa, o sentimento de derrota nos invadisse e tomasse conta de tudo aquilo que acreditávamos estar fazendo certo. Como se pudéssemos ter feito um algo a mais para que o outro não adentrasse aquele universo paralelo. O fato é que, definitivamente, não poderíamos. Porque não é o que você fez ou deixou de fazer. É o que o outro deixou de fazer. É o que o outro fez. Não é que você errou no máximo que pôde dar. É o que o outro fez com o mínimo que ele poderia lhe ter dado. Mas dói. Sempre dói.

E dói mais ainda quando você olha nos arredores e acaba por se convencer que o outro pode não ser tudo o que você esperava, mas deve ser o que você merece. Mas não. Não é o que você merece. Ninguém que dá amor merece receber menos que isso de volta. E não é que você dê amor esperando o amor em troca. Mas você espera, mesmo que inconscientemente, uma reciprocidade. Uma mínima reciprocidade. Um mínimo reconhecimento. Se não literalmente – como aquele café da manhã no dia dos namorados que você acordou às cinco da manhã para fazer e no ano seguinte nem presente recebeu – pelo menos um surpreendente bilhete dizendo eu te amo, meu amor quando abrisse o caderno no primeiro dia de aula.

É tão comum ouvir que não se deve esperar do outro aquilo que fazemos por ele, que acabamos por aceitar isso como uma verdade absoluta e esquecemos de que, realmente, não devemos esperar isso do outro, mas de nós mesmos. Porque fazemos tanto pelo outro e esquecemos de fazer por nós? Porque cobramos tanto que o outro faça o mesmo por nós, e não seguimos o próprio exemplo de fazer o mesmo por nós mesmos? Amor, sabe? É. Amor. Amor próprio. O maior problema de todos – o que nos faz sentir derrotados, culpados, responsáveis pelo erro alheio – é justamente a falta desse tipo de amor. Esse amor que a gente acaba por esquecer quando acredita que não merecemos tanto quanto acreditamos que o outro merece de nós.

Um final feliz é uma obrigatoriedade que devemos impor a nós mesmos. Não sendo ingênuos em achar que o caminho até ele é apenas construído com felicidade. Mas sabendo que as dificuldades impostas serão justamente aquilo que nos levará até ele. Pessoas passam por nossas vidas impondo dificuldades – e basta fecharmos os olhos e deixar a hipocrisia de lado para saber quais são elas – para que saibamos dar valor a nós mesmos. E para perceber o valor daquelas que vão passar trazendo soluções para problemas que nem nós mesmos sabíamos existir. Ser egoísta e pensar em si mesmo de vez em quando é muito mais belo do que acreditamos ser. Fazemos por merecer o que merecemos. E se a gente acha que o outro merece a felicidade, porque não dos dar a mesma oportunidade? E se a proposta é ser feliz, porque não o ser?

Às vezes estamos perto do que acreditamos estar perto, quando, na verdade, estamos perto apenas de uma ilusão. O que precisamos mesmo é estar perto de quem realmente merecemos estar perto: nós.

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