Tuesday, August 26, 2014

gaveta


"...Tá duvidando, é? Cuidado
Que eu te esqueço de e você cai do cavalo
Tá se achando é? Aproveita
Que um dia eu te esqueço na gaveta..."
Fernando e Sorocaba

Alguns meses atrás eu não conseguia me imaginar nessa situação. Quando nosso mundo desmorona, e não estamos preparados para tal desastre, fica impossível cogitar qualquer possibilidade de reconstruir a vida. E mudar de planeta ainda não é possível. Logo me vi perdido em meio aos destroços que o terremoto causado pela sua partida deixou no que outrora era um lindo gramado verde e cheio de esperança. E encontrar você com ele no nosso restaurante preferido noite passada era tudo o que eu menos estava esperando. Mas definitivamente era o que eu precisava – como dizem: há males que vem para o bem.

Só assim eu pude entender o que faltava. Ou, melhor dizendo, só assim eu pude entender que não era de você que eu sentia falta. Quer dizer, não mais. Afinal você não era mais aquela pessoa que eu insistia em manter vívida na memória com todas as fotografias e lembranças de nossa vida a dois espalhadas pela casa. Quando saí às pressas tão logo vocês chegaram não foi apenas por não saber lidar com a dor insuportável de vê-los juntos – é claro que ainda dói, eu sou um ser humano – mas, principalmente, porque percebi que, se quisesse me sentir tão livre como devidamente merecia, eu precisava me libertar do que ainda te mantinha na minha cabeça.

Quando você me mandou aquela mensagem de madrugada, eu estava num processo de desligamento material e emocional. Um saco de lixo havia se tornado a morada eterna de diversos objetos do passado, que já não deveriam me importar no presente por serem desnecessários para o futuro. Sua preocupação traduzida em palavras – que eu tenho certeza ser fruto da culpa que você sentiu assim que me viu sentado sozinho na mesa que considerávamos nossa – foi remetida para a lixeira do meu telefone tão logo lhe convidei a vir aqui hoje. Se você me enviou mais alguma mensagem posterior e não obteve resposta, não foi porque resolvi lhe ignorar, mas porque em seguida bloqueei seu número para não correr o risco de você enviar-me mais e mais palavras já sem sentido, tentando me forçar a responder-lhe quaisquer outros questionamentos.

Porque minha resposta já estava definida. De todas as coisas que me lembram você, a escrivaninha do escritório foi a única que não tive coragem de me desfazer. Quero dizer, não quis colocar na calçada para que alguém fizesse melhor uso dela. Foi por isso que, durante o pouco tempo em que desbloqueei seu número do celular, enviei-lhe uma mensagem pedindo que viesse aqui. Se você achou que iria me encontrar, tenho prazer em decepcioná-la. Essa é minha última lembrança sua. Guardei na mesma gaveta onde encontrei as cartas que ele diariamente te enviava durante o expediente. Imagino que você esteja surpresa. Não imaginava que, quando causou aquele terremoto ao sair de casa dizendo-se apaixonada por outro, meu mundo já havia desmoronado com todas aquelas declarações de amor, cuja descoberta mantive em segredo até agora.

A caixa de pandora que destruiu boa parte dos meus sonhos agora é também o túmulo do que vinha sendo meu maior pesadelo. Sua felicidade já não me importa. Não é que eu já esteja completamente liberto, mas se esperei sua volta arrependida em algum momento, dessa esperança eu me sinto livre. Porque, pra mim, quem você era já não existe mais.

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