Apesar de estar sempre me aventurando gastronomicamente por outras plagas, nunca encontrei um brigadeiro mais gostoso que o da minha mãe. Aprendi com ela a medir a quantidade de ingredientes só com o olhar – colheres de manteiga, uma lata de leite condensado, vira a lata de achocolatado até alcançar tal cor e mexe até soltar da panela. Veio dela também minha preferência pelas raspas da panela e por colheradas carregadas dos pedaços mais duros do produto final. Quanto mais firmes e difíceis de se desfazer na boca, mais longa a sensação de bem-estar que provoca. E tem uma coisa que ela não sabe – ou até sabe mas minha mãe é daquelas que têm essa mania de achar que não pode errar o ponto de uma receita vez ou outra na vida – e acaba por passar uma tarde de domingo se explicando pelo brigadeiro esfarelado porque passou do ponto ou exagerou no achocolatado: a melhor parte está na colher com raspas da panela. E, tenha errado o ponto ou a quantidade de um ingrediente, o sabor experimentado é sempre o do melhor brigadeiro do mundo.
O mesmo sabor do melhor bolo de cenoura do mundo que a minha irmã faz. Eu nunca me aventurei na cozinha para produzir um bolo que não fosse fruto de massa pronta comprada em supermercado. E minha irmã até arrisca um ou outro prato doce e salgado, mas nada se compara ao bolo de cenoura que ela impecavelmente retira do forno desde que eu me entendo por gente. Lembro que, por uma época, só comia bolo de cenoura que minha mãe fazia com cobertura de chocolate depois de me apaixonar por aquela combinação perfeita que uma tia me apresentara. E minha irmã, até onde me lembro, sempre se recusou a fazê-lo porque não era de seu agrado. Bolo de cenoura era bolo de cenoura e pronto. Ela tinha razão. Eu até que gostei bastante daquela novidade, mas, no fim das contas, ele nunca foi o melhor bolo de cenoura do mundo de verdade. E, quando se fala em bolo de cenoura, a única coisa que minha irmã não tem razão é em dobrar o trabalho porque o primeiro bolo saiu solado: esteja ele macio, solado ou até com uma gota ou outra de massa crua, o sabor continua sendo de melhor bolo de cenoura do mundo.
A melhor rabada ao tucupi do mundo poderia dar à minha cunhada o título de especialista no assunto. Ela não faz segredo algum do ritual de preparo que leva em média mais que quarenta e oito horas entre cozinhar, assar e deixar descansar um ou outro ingrediente, mas, mesmo seguindo rigorosamente seus passos, é impossível conseguir o que só ela consegue: o sabor da melhor rabada ao tucupi do mundo. Assim como, mesmo usando do molho de cachorro quente preparado pela minha outra irmã, eu nunca consegui fazer a melhor macarronada do mundo que ela faz. Até consegui fazê-la mais gostosa uma vez, mas aquele sabor, aquele sabor de melhor macarronada do mundo só ela sabe deixar como assinatura. Tal qual o melhor feijão do mundo que uma tia faz, o melhor tempero do mundo que outra põe na comida, a melhor carne apimentada do mundo que uma amiga fez, o melhor milk-shake de morango do mundo que eu talvez nunca mais chegue a experimentar, o melhor bife acebolado do mundo com que outra amiga me recebeu em sua casa, a torta de maçã que outra resolveu se aventurar a fazer e conseguiu a melhor torta de maçã do mundo.
O melhor sabor do mundo às vezes salga um pouquinho, passa do ponto e vez ou outra carrega até um gostinho de queimado. O bolo de cenoura com cobertura de chocolate ainda cai bem de vez em quando, mas o bolo de cenoura sem calda da minha irmã sempre cai bem. E ainda que eu vá à Itália, só comerei a melhor macarronada do mundo se for minha outra irmã a cozinhar. Não interessa a marca do leite condensado ou a procedência do achocolatado e não importa se o ritual da rabada ao tucupi foi cumprido ao pé da letra, minha mãe vai sempre fazer o melhor brigadeiro do mundo e minha cunhada a melhor rabada ao tucupi do mundo. Porque o melhor sabor do mundo a gente só sente naquilo que faz quem gosta da gente. O melhor sabor do mundo tem mais a ver com amor que paladar, porque vai ser o melhor mesmo quando passar do ponto ou ficar doce demais. E vai ser o melhor mesmo que menos gostoso ou feito de forma semelhante e rigorosamente cronometrada. Porque o ingrediente especial de todas as melhores receitas do mundo é o amor depositado em seu preparo.
Esses dias eu descobri dois melhores sabores do mundo e, tal qual o bolo de cenoura com cobertura de chocolate que cai bem de vez em quando, resolvi experimentá-los combinados. Não lembro exatamente o que senti quando comi bolo de cenoura com cobertura de chocolate pela primeira vez. Nem lembro exatamente quando comi. Aquele bolo era mais paixão que amor. Amor era o bolo de cenoura sem cobertura. Mas, esses dias, ao misturar aqueles dois sabores, não era paixão. Era amor também. Juntos, a melhor bala de gengibre do mundo e o melhor licor de gengibre do mundo faziam o melhor licor de gengibre com bala de gengibre do mundo. Apimentado, gerava um incômodo agradável quando passava pela gengiva. Cada mordida na bala causava uma ardência na língua, mas, mesmo sem estar inflamada, minha garganta sentiu um alívio, seguido da sensação de limpeza gerada pelo sabor sutilmente doce e refrescante. O melhor sabor do mundo era o amor, e o amor era como aquele melhor licor de gengibre misturado com a melhor bala de gengibre do mundo.
Eu tenho passado tanto tempo entre cafés da manhã, almoços e jantares, lanches da tarde, ceias na madrugada e tantos outros sabores mais aceitáveis ao paladar que experimentar a melhor bala de gengibre do mundo sem estar gripado era algo inédito. E escolher o melhor licor de gengibre do mundo sem ter experimentado qualquer outro para comparar podia parecer pretensioso demais para alguém como eu que sempre se encantava por novos conhecidos sabores. Por isso eu não soube dizer exatamente o que senti naquele momento. Mas esses dias eu percebi que não só descobri três novos melhores sabores do mundo, como percebi que se o tal ingrediente especial de todos os melhores pratos do mundo tivesse um sabor específico, seria gengibre. A bala começara a gerar uma ardência incômoda quando eu dei o primeiro gole na taça e senti o sabor picante da bebida aliviar a garganta, tal qual alguns amores que são curados com amor.
O amor é como a mordida que arde, o gosto doce, o ardor que não passa, o alívio na garganta, o céu da boca apimentado, as lembranças de bala entre um e outro dente que logo também se vão. Eu posso escolher comer bala de gengibre só quando estou gripado, mas aquele alívio na garganta existirá independentemente de qualquer enfermidade, basta que eu aguente o ardor das primeiras mordidas e o sabor apimentado por alguns minutos. O amor é assim também: faz bem, mas pode arder antes de aliviar a dor. E apesar de só apreciar chá de gengibre quando doente, distribuo as lascas de raiz com molho de soja por todo o prato quando vou no restaurante japonês, com exceção das vezes que está em falta. Às vezes a gente só lembra de amar quando precisamos daquele amor. E tem essas vezes que nem a falta dele nos impede de apreciar algo que nos preenche por dentro. Mas aquelas lascas de raiz, quando presentes, são como o amor. Assim eu me descobri um louco por gengibre. Gengibre é amor. E amor faz toda a diferença.