Saturday, October 04, 2014

a porta



 
dos escritos no passado: 2005.
 
É engraçado como as coisas ganham o sentimento da gente. Às vezes por um impacto de simpatia, outras por um longo período de convivência. E quando falo das coisas, me refiro às coisas mesmo. No sentido de objeto. Eu, por exemplo, tinha uma porta. Na verdade ela ainda permanece no mesmo lugar, mas os recados, avisos e lembretes que ela me trazia foram apagados pela tinta branca renovada. (Os recados em papéis colados a ela foram retirados e estão guardados). Se me faltava algo pra comprar, era lá que eu anotava para poder lembrar no outro dia. Se alguém me escrevia um recado em um post-it, era lá que ele era pregado. E se alguém quisesse apenas escrever uma música, ou simplesmente escrever o nome, era lá que ele era escrito. Pode parecer vandalismo, dependendo da forma com que você vai interpretar minha atitude, mas a porta era de um grande significado pra mim. As lembranças a gente não apaga, e cada vez que eu olho pra ela, lembro-me muito bem o quanto ela me ajudava a lembrar das coisas. E aquela vontade de pegar um pincel e escrever nela vem à minha mente, como se fosse uma necessidade de sobrevivência dentro do meu quarto. Mas a consciência da consequência disso me faz mudar rapidamente de ideia. Então eu ligo o computador, abro a pasta das minhas imagens, procuro pela pasta de fotos de objetos, e lá eu a encontro. Fico admirando aquela velha porta rabiscada, cheia de papéis, e lembrando o quão bom era ficar olhando pra ela antes de dormir. Desligo tudo que traga luz ao quarto, deito na cama, envolto das cobertas e olho pra ela.

- Boa noite, porta – mesmo sabendo que ela nunca vai me ouvir.

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