Te vi chegar, partir, voltar
Foram tantas vezes que nem sei contar
Te vi querer, se arrepender e me deixar
Foram tantas vezes que nem sei contar
Te vi querer, se arrepender e me deixar
Banda Lolla
Eu lembro da primeira vez que te vi: segundo dia de aula, aluna nova, filha de militar. Os cabelos presos num rabo de cavalo, saia rodada, camiseta e havaianas nos pés. Até agora há pouco eu acreditava que o fato de a única cadeira vaga da sala estar ao meu lado era obra do destino que nos reservava um futuro juntos. Ainda que você tenha dito, tão logo sentou, que não queria criar laços para desamarrá-los seis meses depois. Eu não gosto de ser desafiado, mas agora acredito que deveria ter respeitado sua vontade naquele momento. Afinal, se era o destino, porque levou um mês até que eu conseguisse, mesmo contra a sua vontade, quebrar a regra imposta naquele nosso primeiro encontro? E não foi muito honesto de minha parte pedir, na surdina, que o professor escolhesse você como meu par naquele trabalho. Sabe o que eu lembro também? De como você sorriu quando eu te contei essa história a primeira vez. Estávamos no aeroporto. Era a primeira vez que você partia da minha vida. Haviam passados seis meses e você chorava, culpando-se por ter se deixado envolver. Eu arrisquei sofrer a consequência de ter tua mágoa, mas a insistência fora minha e tudo o que eu menos queria era ouvir aquela palavra saindo da sua boca. Seria desonesto de minha parte te deixar com culpa. Mas você sorriu. Aquele sorriso mais feliz. Você acreditava em destino também, lembra?
Foi a primeira vez que você partiu e também a com menor duração até você voltar. Mas, pensando bem, o fato de você ter me alcançado ainda no estacionamento do aeroporto não deve ter sido teu retorno mais exaustivo como eu pensava na época. Até porque, naquela época, eu não imaginei que fossem haver outras partidas. Mas houveram. E quando você se esforçava para permanecer, cedendo o seu lado, eu te mandava ir. Eu não precisava me preocupar com desonestidade, porque sabia que você voltaria. Com exceção de duas únicas vezes. Uma na primeira vez que eu usei da minha força para te fazer sentir inferior a mim. Mas você voltou: o retiro espiritual onde você esteve por um mês – ou casa de amiga, ou de alguém da família, afinal eu nunca consegui te encontrar – ajudou para que eu recebesse o seu perdão. Era isso: você só precisava de um tempo. Tiveram vezes que no dia seguinte você estava de volta. Depois me acostumei a esperar duas semanas e, em seguida, aquele um mês de retiro – ou o que quer que tenha sido – virou apenas mais um mês que você havia demorado para voltar. Mas o querer deu lugar ao arrependimento pela tentativa, até que você não tentasse mais. E hoje faz justamente três anos e dois meses da sua última partida.
Desrespeitei as normas morais e criei um perfil falso para poder acessar o seu no Facebook, já que você me bloqueara três anos e dois meses antes. Eu não precisava mais ter dúvidas quanto ao seu retorno: você não voltaria. Sua última publicação eram as fotos da última viagem com quem sua página anunciava como seu marido. Sorte do outro que pôde ser pra ti o que eu não fui. Ou, melhor, não ser o que eu fui. Eu queria ser esse cara, é verdade. Queria ter sido eu a te dar a mão e pular as sete ondas no ano novo, queria ser tua companhia para andar com os pés descalços na areia. E para ouvir o silêncio do teu sorriso ao sentir a água morna daquele mar azul ao amanhecer. Eu queria ser o dono daqueles pés ao lado dos teus no início do vídeo em que vocês se balançam na rede enquanto dividem uma água de coco. Foi quando eu vi que teu sorriso é diferente com ele, sabe? E dói. Agora dói, na verdade. Porque eu achei que, mesmo segurando a mão de outro, ainda era eu o teu par. Mas ouvir tua voz naquela gravação me fez lembrar da última vez que eu a tinha ouvido, a mesma da sua última partida, dessa vez sem retorno. Já não era eu com quem você andaria na contramão. Eu, na realidade, não mereço sua companhia sequer no banco do passageiro. Fui eu quem te fez perder aquele sorriso. Ele não estava diferente, apenas tinha voltado a ser mais feliz.