Friday, July 24, 2015

mesmo do mesmo


Eu escolhi muito errado nos últimos anos, cometi muitos erros nos últimos meses, andei por um caminho muito errado nas últimas semanas e, como consequência de estar sempre olhando na direção errada, só percebi o precipício a mim destinado quando me faltou chão. Enquanto seguia em queda livre eu percebi o quanto são egoístas aqueles segundos que precedem nosso último suspiro: nenhum arrependimento, nenhum erro, nenhuma lágrima de sofrimento estava entre aquelas últimas lembranças.

Lembrei de algumas vezes que acertei, de alguns sorrisos que arranquei, de segredos que me orgulhava em levar comigo, de algumas lágrimas de orgulho, gratidão e saudade que escorreram dos meus olhos e daquela esperança tão minha que consegui ver brotar nos olhos dos outros. Esperança. Foi a última coisa que eu senti antes de dar com o corpo na água, um enorme lago que o medo de olhar para baixo não permitiu que eu enxergasse. Água gelada, tipo banho sem chuveiro elétrico em campo aberto num dia de frio. Um mergulho fundo, sentindo o corpo perder força e movimentos antes de me dar conta que ainda podia nadar. Sorte, foi a primeira coisa que eu pensei ao alcançar a superfície.

Precisei de um tempo para me lamentar, vocês sabem como eu sou, e quando dei por mim estava culpando o vento, a falta de placas e até o empurrão de alguém que não vi atrás de mim, tentando me eximir da responsabilidade única de escolhas que eu fiz pra mim terem me levado até ali. Depois de avistar um barco – tão distante que sua silhueta era menor que minha menor unha roída – e vê-lo sumir no horizonte sem qualquer sinal de resgate, me vi completamente sozinho e senti a dor do abandono. Ninguém ia descer para me buscar ou lançar uma boia para me levar a bordo. Ninguém. Nem uma vivalma que pudesse me dar a esperança de salvação.

Esperança. A última coisa que eu senti antes de me livrar da morte e ter a sorte de dar com o corpo na água. Afinal, mesmo à deriva em águas desconhecidas e ainda mais distante dos caminhos certos a seguir, eu tinha sorte de estar vivo. Eu errei, errei muito, errei com muita gente e errei mais ainda comigo mesmo. Mas aquelas memórias – que eu julgara egoístas pela isenção de arrependimentos, erros e lágrimas de sofrimento – eram, na verdade, o que eu tinha para me agarrar e não desistir. Tenho fé e, naquele momento, percebi que os últimos anos eivados de erros não superam as vezes em que eu fiz o melhor para acertar: não era sorte eu estar vivo, mas uma segunda chance.

Todos têm um precipício desse: é ele o destino final de todas as escolhas erradas, com altura proporcional à quantidade de erros cometidos – e um cálculo matemático na terceira série pode até não fazê-la aumentar tanto quanto ter dado perda total no carro da mãe, mas se errou entra na conta. E a diferença entre estatelar-se no chão ou amortecer o impacto num mergulho fica ali, naquelas vezes em que acertei, nos sorrisos que arranquei, nos segredos guardados, nas lágrimas de orgulho, gratidão e saudade que escorreram dos meus olhos e naquela esperança tão minha que consegui ver brotar nos olhos dos outros. Esperança. A última coisa que eu senti antes de dar com o corpo na água. E fé.

Um caminho errado faz com que, vez ou outra, deixemos a esperança num cruzamento, a fé andando em círculos ou as duas num atalho sem saída. Eu nunca ficara desacompanhado das duas. Perdi um pouco duma numa curva, esqueci mais da metade da outra depois de um ataque de formigas e abandonei um bocado das duas para carregar mais suprimentos pro corpo do que para a alma. Mas ainda as tinha ali, sem deixar a escassez ser motivo de inexistência. E aquela culpa, que vez ou outra insistimos em nos eximir para projetar no outro, foi o que eu usei para abastecer a fé que me faltava. Eu culpava o abandono, o empurrão invisível, a silhueta minúscula de um barco qualquer porque estava entre as pessoas que põe mais fé na capacidade do outro que na própria.

A culpa era minha. Eu escolhi errado, eu segui pelo caminho errado, eu cometi os erros que me levaram a ficar sozinho e à deriva em águas desconhecidas. Ninguém ia descer para me buscar ou lançar uma boia para me levar a bordo, porque eu não tinha que esperar ser salvo, eu tinha que me salvar. Mas, depois de escalar aquele paredão cheio das lembranças dos erros que cometi, eu precisei de ajuda. Voltar, vez ou outra, é como dar aval para o sentimento de derrota e, apesar de me sentir derrotado por ter caído, o tempo gasto na subida permitiu que eu me sentisse um vitorioso por não desistir. Eu ia voltar e fazer o melhor para fazer do atraso de vida algo inexistente no meu caminho.

No entanto, voltar não era apenas deixar o orgulho de lado e começar de novo. Voltar era enfrentar todos os medos, angústias e sentimentos de derrota que eu deixara pra trás buscando ser feliz. E eu só descobri isso há alguns meses, quando percebi que o Mais do Mesmo era não só meu primeiro livro ou uma parte de mim, mas meu jeito de me despedir de algumas histórias que, independentemente de terem me proporcionado alegria, devem ser deixadas apenas nas lembranças, na memória, no passado.

É certo que, vez ou outra, precisamos dar um passo para trás para dar dois à frente. Assim como é certo que muitas das coisas que um dia nos importaram nós precisamos deixar ir. Assim, eu encerro mais um ciclo da minha vida: por muito tempo eu fui mais, mas talvez seja hora de ser um pouco menos. Ao contrário do que eu pensei lá atrás, não sinto tristeza ao dizer isso. Mais do Mesmo é amor e nunca deixará de ser, mas só amor não basta. E o que eu sinto é alívio. Toda história tem começo, meio e fim. É chegada a hora de dar início a uma nova.

Friday, July 17, 2015

Querido Artur,

Perdoe-me falar-lhe assim de tão longe, mas é que eu tenho andado com a mente tão ocupada que já tem um mês da sua chegada e ainda não consegui lhe visitar. No entanto, eu precisava me despedir desse lugar que há tantos anos tem sido como uma casa para os meus sonhos e resolvi dedicar minhas últimas palavras aqui para você. Por quê? Talvez porque meu inconsciente entendeu que essa seria uma forma de diminuir a culpa pela minha distância. Mas prefiro dizer que escolhi você como destinatário porque, daqui em diante, um novo ciclo se inicia pra mim, tal qual aconteceu com você semanas atrás.

A princípio o mundo parece um lugar bonito, não é? O único jeito de você enxerga-lo é através das vozes daquela que te carrega no ventre e daqueles que te paparicam de fora. Eu entendo. Não há como não ser belo um lugar com som tão agradável quanto a voz de uma mãe. A minha e a sua, pelo menos. Mas nós somos curiosos e, cedo ou tarde, nos rendemos ao desejo de ver com os próprios olhos o que só os ouvidos nos permitem enxergar. É quando vem o susto, os berros e as lágrimas. Era tão confortável flutuar naquele espaço minúsculo que, quando nos deparamos com esse enorme espaço entre céu e terra, nos pomos a chorar.

Mas aquele momento, querido Artur, quando deixamos o conforto maternal de lado, nada se compara a tantos outros que iremos enfrentar no decorrer da vida. Muito menos aquele choro. Porque, à princípio, o mundo parece um lugar bonito, mas, uma vez nele, você percebe que não é bem assim. Existem pessoas ruins, momentos ruins e sensações que você daria qualquer coisa para não sentir. Então você chora. Hora porque a voz que te acalmava o coração não está presente, hora porque alguém te decepcionou, hora porque você mesmo não consegue superar suas limitações e assim vai. O mundo pode até ser bonito, mas em nenhum momento ele será contemplado pela perfeição que você almejava encontrar.

Os anos passam, sentimentos vão e vem tal qual as escolhas sempre irão envolver uma renúncia – por vezes extremamente difíceis de deixar para trás, inclusive. Você vai cair da bicicleta, pode ralar o joelho inúmeras vezes, levar uma surra do valentão da escola ou ser obrigado a comer legumes que odeia na hora do almoço. Vão te ensinar que o melhor caminho para o sucesso é estudar bastante e que dinheiro não importa, mas importa sim, porque é impossível viver de água e luz solar. Nós não somos plantas, Arturzinho, isso é fato. E o que nos torna diferentes é justamente isso: nós até podemos não saber quem verdadeiramente somos, mas, depois que crescemos, conseguimos compreender perfeitamente aquilo que não somos: perfeitos.

É aí, pequeno grande Artur, que está a verdadeira beleza do mundo e que não nos é possível enxergar quando o vemos pela primeira vez: não existe nada – nem ninguém – perfeito ou imune a fracassos. E o mais belo é que, diferentemente das plantas, nós podemos arrancar nossas raízes e partir em busca de um novo terreno para germinar. Essa capacidade de mudar, de sair do lugar que incomoda, de arriscar o trajeto por novos caminhos é o que torna a passagem por aqui tão mágica, porque ficar parado é muito mais arriscado. Somos especiais porque, ainda que tão diferentes, somos iguais. Assim como o mundo, sabe? Tão diferente daquilo que você imaginava antes de vê-lo, mas igualmente – ou até mais – belo se você souber olhar além de suas imperfeições.

Sabe o choro? Ele não é de todo ruim, pelo contrário. Chorar faz bem, alivia a alma, clareia a vista e desata os mais firmes nós que vez ou outra insistimos em manter na garganta. Tem choro de alegria, choro de orgulho e choro de saudade. E são tão intensos quanto confortantes, principalmente quando vem como prelúdio de um alívio há tanto esperado. Não há vergonha alguma em chorar, mas lembre-se também que muito vale à pena sorrir. Nem todo gesto vale mais que mil palavras, mas um sorriso sincero – abraço apertado e sincero também – consegue, sim, transformar em bom dia o mau humor da manhã.

Veja bem, Arturzinho: todas essas coisas que lhe digo não saem daqui com a intenção de te ensinar o caminho das pedras para o sucesso, até porque eu não sou bem o tipo de pessoa que pode ser chamada bem-sucedida – ainda. As coisas não acontecem exatamente como queremos que elas aconteçam, sabe? De uns tempos pra cá comecei a aceitar que tudo acontece no seu tempo certo, mesmo que vez ou outra seja dominado pela ansiedade e direcione a vista pro futuro – o que não é lá muito aconselhável já que, se não agirmos no presente, o futuro que desejamos encontrar trará junto um choro tal qual aquele ao nascer, em intensidade absurdamente maior e mais assustadora.

O mundo não é perfeito, mas tem suas belezas. E, assim como nenhuma verdade é absoluta, a segurança pretendida durante nossa estadia por ele também tem suas falhas. Eu falhei muitas vezes, Artur. Muitas. Também acertei pra caramba, mas não foram os acertos os responsáveis por essa minha iniciativa de ir germinar em outras terras. O solo aqui já não me é produtivo. Não por que a terra esteja inóspita, mas é chegada a hora de plantar sementes novas, colher novos frutos, ver o mundo com outros olhos. Eu já berrei e chorei o tanto necessário para me conformar. Mas é chegada a hora de sorrir um pouco mais. E, grave bem isso, muitas vezes nós precisamos deixar ir embora algo que muito amamos para podermos ser felizes de verdade. Além disso, você também vai descobrir com o tempo, o ventre pode ser o exemplo do mundo perfeito e seguro que você tanto almejava encontrar, mas aqui fora existe um lugar tão seguro e reconfortante quanto: o colo de mãe. Não importa quantos metros de altura você tenha, é o único lugar do mundo em que você sempre vai caber.

Fica com Deus.
Espero que nos vejamos em breve.
Vou ser mais, ainda sendo o mesmo, mas com certeza muito melhor.

Um beijo na testa.
Com carinho,

Tio Artur

Wednesday, July 01, 2015

você é amor

Faz tempo que não te dedico algumas palavras e a culpa não é da distância, da rotina cansativa ou da ansiedade pelo encerramento de mais um ciclo em nossas vidas. Só quem não sabe da bela poesia que é te ter na vida poderia usar esses motivos num discurso de acusação. Nós não nascemos juntos, nos conhecemos já no fim da adolescência e temos um modo semelhante – e peculiar – de ver esses encontros e desencontros que a vida nos dá. Se faz um tempo que não te escrevo algumas palavras é porque elas só vem dedicadas a ti assim, numa segunda-feira à noite, em lembranças de um show que já conta cinco anos no passado, na saudade que eu sinto de te ver todos os dias, lendo algo que você escreveu como se lhe ouvisse ou nessa segurança que eu consigo sentir só de pensar que você tá aí.

Eu sei que você pediu para eu registrar apenas aquela música, mas você sabe como eu sou. É claro que gravar o show inteiro deu trabalho e, sabe-se lá quantas vezes, eu precisei revezar a câmera entre as mãos. Mas tinha aquela música, a sua preferida, o único presente que você desejava que eu trouxesse daquela minha primeira viagem ao Rio de Janeiro. E pra ela eu não apenas venci o cansaço do braço que segurava a câmera, como dediquei toda a minha atenção pela primeira vez na vida. Eu nunca havia gostado muito daquelas letra e melodia. Até aquele dia. E não porque era um show e fazia diferença no meu gosto, mas porque se era sua preferida ela com certeza merecia minha atenção.

De fato ela merecia. Uma música que fala de amor sempre merece minha atenção, na verdade. Você me pediu para registrá-la porque era sua preferida, mas eu acredito que descobri motivo maior para o seu pedido: chegar à minha resposta para toda a inconstância de significados que aquela tal de Maria expunha nos versos cantados e que se faziam encantar. O amor, infelizmente, não é a exceção à regra da inexistência de uma verdade absoluta. Talvez seja realmente impossível definir aquilo que já nasce dentro da gente, que faz a gente renascer e ajuda diariamente a despertar. Inexplicável, como um milagre. O único que Deus permitiu à sua imagem e semelhança semear no mundo sem necessitar de santidade.

E, hoje, levando-se em consideração que Deus escreve certo por linhas tortas e que tudo na vida tem um porquê, eu lembrei daquele dia, pouco mais de um ano depois que eu te trouxe o melhor presente de todos daquela viagem – além das fotografias a mais no meu álbum, é claro. No dia que um clarão do luar abençoou o nosso amor num dos dias mais felizes das nossas vidas. Era noite, mas você brilhava mais que o sol. A tal Maria já tinha dito, mas só você me fez perceber a emoção que me fazia sentir aquela luz que emanava de você. É que, no fundo no fundo, mais que nascer dentro de você, o amor se fez presente no seu ser. Se perguntarem o que é o amor pra mim, eu posso não saber explicar, mas eu sei responder: é você. Você é amor pra mim, Priscila.