Tuesday, December 23, 2014

dois sóis


Eu sempre fui bastante cético, mas não quando se falava de amor. Eu sempre acreditei no amor, sempre vi amor onde só viam ódio. Sempre acreditei que o ódio é só falta de amor: e se alguém não tem amor pra dar, o tem para receber, porque amor a gente recebe de graça. Mas eu sou humano e, nos últimos meses, a Terra não parecia exatamente o planeta onde eu deveria estar. Saí de órbita, cada vez menos refém da gravidade e com os pés mais longe do chão. No meu novo espaço não cabia mais amor. Era demais o que eu tinha para dar e não achava justo acumular o de mais outro alguém. Ou merecido.

Via minha esperança esvair-se cada vez mais, conformando-me com o fato de que ficar sozinho não era necessariamente uma opção. E, mesmo depois de dedicar-me a declarar um amor que até então parecia indeclarável, permanecia inerte, refém do medo de perder o que tinha se transformasse aquelas palavras em gestos, levando-as para o mundo fora do papel. E então lá vinha você, com os olhos por vezes cheios de lágrimas, mas sempre brilhando ao afirmar que nesse universo tão desconhecido, havia alguém para você conhecer. Alguém que ia te fazer sorrir, te fazer feliz, não exatamente do jeito que você talvez quisesse, mas do jeito que você merecesse. E você sempre soube do seu valor, ainda que vez ou outra duvidando dele.

- Os descrentes de amor podem dizer o que quiserem, Luís.
- Eu ando descrente do amor.
- Que descrente do amor, o quê. Você é o cara mais esperançoso que eu conheço. Sai dessa.
- Tá difícil nos dias de hoje.
- Ai, Luís. Sai dessa vibe negativa. Eu ainda sonho. Aliás, sonho não. Eu profetizo, porque vou te dizer que, se tem uma coisa que eu sou convicta, é que tem alguém perambulando por aí vindo direto ao meu encontro.
- E você aí parada, Luena?
- Ah, cara, a viagem as vezes é longa. Todo mundo precisa descansar.
- Sei...
- Você tá sendo um astrônomo.
- Como é?
- É, é isso, Luís. Você está sendo um astrônomo.
- Falou de viajar e tá viajando agora?
- Você tá aí, dizendo que aquele segundo sol é um cometa. Lembra? Cássia Eller e tal?
- É, você tá precisando realinhar as órbitas da sua cabeça mesmo...
- Eu sei, Luís.
- Ainda bem que você sabe.
- Não, não. Eu sei que você ainda acredita. Você só não lembra disso porque é mais fácil brincar de voar que manter os pés no chão. Você ainda acredita. Você só não tá se permitindo sentir isso. Abre o coração, cara. É bom.

Resolvemos, eu e um grupo de amigos, ir passar o fim de semana na praia. Aquela noite havia sido a despedida e eu bebi tanto que apaguei na areia mesmo, enquanto admirava as estrelas no céu. Pelo menos essa é a última coisa de que me lembro antes de abrir os olhos, já ao amanhecer, e ser tomado de uma sensação inebriante cujo primeiro pensamento me levou até você. Ainda que eu desse valor inestimável para qualquer coisa que você dissesse, um segundo sol seria surpresa mesmo depois daquela nossa conversa. Então eu vi. Vi com meus próprios olhos, testemunhas únicas daquele fenômeno espetacular que fazia a vida arder de tanta vontade que dava de viver só para ser também o segundo sol de alguém.

E eu lembrei de você. Porque você me pediu simplesmente que abrisse o coração. Naquele espaço de tempo, entre o momento em que eu achei ter visto um cometa e o momento em que eu vi dois sóis realinhando as órbitas já há tanto tempo desalinhadas aqui dentro, foram seus olhos brilhando, sua firmeza na fala e sua crença na felicidade que me vieram na memória. Você me fez transformar um cometa no segundo sol que me deu o amanhecer mais lindo do ano inteiro. E aqueles dois sóis fizeram daquele amanhecer a primeira vez, em muito tempo, que manter os pés no chão era muito mais incrível que voar.

Eu estou feliz. Estou feliz porque sempre acreditei que o motivo de minha existência era fazer o outro sorrir. E o que eu sentia quando aquele sorriso se concretizava era o que de mais puro eu podia oferecer a outrem. Estou feliz porque aqueles dois sóis me fizeram lembrar disso e assim permaneço firme na crença do motivo de minha existência. Mas estou mais feliz ainda porque descobri que existe sentimento ainda mais puro que aquele sentido ao fazer o outro sorrir: sorrir pelo sorriso do outro. Seria paz? Isso é o mais próximo que eu posso chegar para explicar a inexplicável sensação que tomou conta de mim aquele dia.

No comments: