Tuesday, December 10, 2013

senhora M

Quando te conheci, pequena menina, eu lembro bem do teu sorriso. Lembro bem porque, junto do teu sorriso, vinha uma risada tão gostosa e escandalosa quanto a minha. E eu nunca tinha ouvido uma risada tão escandalosa quanto a minha. Minto, até tinha, mas já fazia tanto tempo que meu primeiro grau havia passado. Eu, de repente, estava ali, quase no auge da minha vida adulta, ouvindo alguém rindo tão verdadeiramente quanto eu. Que felicidade perceber que alguém, além de mim, conseguia rir tão sinceramente quanto eu.

Mas, apesar de todo meu encanto com aquela risada irmã gêmea da minha, ainda não era possível compartilhar ambas sem manter um pé atrás. Não da minha parte, que sempre me permiti investir e invadir qualquer terreno além de minha cota parte. Senti que, daí do seu lado, vinha aquela primeira esperança de ter uma confiança que talvez nem você mesma imaginasse que fosse preciso ter. Senti que, antes mesmo de saber quem eu era por completo, era necessário você ter certeza que podia se completar a sós para abrir caminho  para minha inevitável vontade de te ter como amiga.

Nos encontramos, e complementamos, acredito eu, quando decidi deixar minhas inseguras amarras de lado para abrir os braços e te deixar entrar, mesmo que sem querer, nesse labirinto quase infinito que são os dias que caminham sob meus pés. Não quero me sentir responsável pela sua crença. Nem quero te tornar responsável pela minha espontaneidade em acreditar em você. Mas, é fato, creio eu, que, naquele momento em que me aproveitei do álcool e abri meu coração pra ti, foi aberta uma mesma esperança de que esse encontro – ou reencontro – seria o começo de algo tão bom e verdadeiro que não precisaria de explicação.

Não foi possível te amar desde o primeiro encontro. Mas foi completamente verdadeiro me apaixonar pelo seu sorriso. Mesmo antes de nos conhecermos e ouvirmos segredos um do outro. Se não segredos, dúvidas. Mesmo antes de tudo isso eu já acreditava que eu aprenderia muito mais estando contigo do que você aprenderia comigo. Não desacreditando em mim, mas acreditando em toda essa experiência que você transmite. Mesmo que inconscientemente, eu já sabia que aquela menina sorridente, que gargalhava tão alto e feliz quanto eu, seria uma das pessoas mais verdadeiras que eu poderia encontrar na vida.

Me apaixonei pelo sorriso metálico primeiro. Depois pela gargalhada. Em seguida pela responsabilidade e crença em si mesma. Depois veio a independência tão sonhada por mim que eu via extravasar pelos seus olhos. Veio, então, a percepção de que você conseguia ser maior do que imaginava ser – mesmo sem saber. E, por fim, você conseguiu me fazer entender que nós mesmos somos os maiores responsáveis pelo sorriso que nos cabe no rosto. Você, mesmo sem querer, ou até querendo, me fez acreditar que não é necessário ninguém além de mim para ter um sorriso no rosto e me permitir conhecer novas coisas.

Amanhã – e aqui me refiro a quanto anos a frente possamos imaginar – pode ser que eu não sinta mais como hoje. De você eu não sei de certeza, apenas sinto como acredito que deva sentir. Amanhã pode ser que eu me mude, você se mude, que não nos encontremos mais e que tudo isso fique na minha lembrança. Mas, antes que essa probabilidade possa se manter firme, eu quero dizer que o sorriso que você faz se expor no meu rosto a cada contato, conversa, troca de ideias, abraço, é muito verdadeiro. E agradecer por me fazer tão querido. Sua risada não só me contagia. Ela me faz ter certeza de que eu existo.

Monday, November 25, 2013

cinco anos



Era quarta-feira, dia de jogo. Eu recém saíra da aula de natação e fui ao bar encontrar uns amigos. Fim de ano, férias da faculdade, qualquer dia da semana era sexta. Eu me recuperava do término de um relacionamento imaginário, criado e vivido pela minha cabeça criativa, que por pouco não levou meu bem mais precioso. Havia poucos dias eu tinha me entregue ao mundo de braços abertos e coração livre depois de muito álcool na cabeça. Voltara a tomar remédio, também. Definitivamente, exatamente cinco anos atrás, eu me encontrava num momento que se assemelha àquele período de adaptação entre tirar a primeira e a segunda rodinha bicicleta.

Naquela primeira vez que nos vimos eu não imaginava que finalmente aprenderia a andar na bicicleta da vida sozinho. No máximo achei que era apenas mais um dia que eu conseguia me equilibrar sobre a segunda roda. Na realidade era. Por mais alguns dias, pelo menos. Mas você foi a primeira vez que eu tirei a segunda rodinha, criei coragem e consegui me equilibrar e não cair antes de apertar o freio no fim da rua. Você me trouxe de volta à vida de um jeito que até hoje talvez não saiba. Sem querer, sem pedir, sem medida.

Há cinco anos demos início a uma história linda. Uma história cheia de passeios de bicicleta pelo parque, pela praia e pelas estradas da vida. Uma história com buracos na estradas, caminhos sinuosos e algumas quedas que originaram os mais diversos arranhões. Uma história que, mesmo com todos os percalços passados, conseguia – e ainda consegue – nos dar força para levantar o corpo do asfalto, subir novamente na bicicleta e, olhando para o sol que se põe, sorrir um pro outro apenas para certificar que não existe mágoa.

Hoje faz cinco anos que trocamos olhares, nomes e iniciamos o primeiro capítulo de um romance cujo fim é parte de um felizes para sempre, que não necessariamente significa termos ficado juntos como nos contos de fada. Ficamos juntos, sim. Ficamos juntos numa relação melhor, mais verdadeira e honesta que poderíamos ter. Hoje faz cinco anos que eu escolhi, mesmo que inconscientemente, te ter na minha vida. Não como da primeira vez. Mas de uma segunda que com certeza é ainda melhor.

Tuesday, November 19, 2013

perdão

Você pode bater o pé, fazer cara feia e jurar de mãos e pés juntos que não concorda, mas o fato é que não existe nada – a não ser uma máquina que apague a memória – que te faça esquecer verdadeiramente aquela traição que te machucou tão profundamente. O já batido ditado de que quem bate esquece, quem apanha não. Mesmo que a surra levada não tenha acontecido dolosamente. A gente faz merda sem querer mesmo, as vezes. Aprendi, vendo por este lado, que o perdão tem mais a ver com a forma como você passa a lidar com uma situação do que com o – falso – esquecimento dela.

É que já ouvi dizerem diversas vezes por aí que para perdoar é necessário esquecer, ou vice versa. Não concordo. Você pode perdoar, sim, sem esquecer qualquer mínimo detalhe daquilo que te levou a deixar o orgulho de lado e tentar sorrir mais uma vez. As vezes vejo o “perdoar” como o amor. A gente não ama ninguém só pelo que conhece de bom. A gente ama quando aceita até o que a pessoa não tem de bom. A gente só ama mesmo, de verdade, quando aceita aquele defeitinho chato que só veio a conhecer depois que a paixão passou. Perdoar é mais ou menos assim.

Eu te desculpo pela merda que você fez, mas isso não quer dizer que eu vá esquecer. Perdoar, pra mim, não tem nada a ver com o fato de fingir que nada aconteceu, afinal errar todo mundo erra. Essa é uma das coisas mais belas do mundo. O erro. Na maioria das vezes, é só quando erramos – e assumimos isso – que somos capazes de nos colocar no lugar do outro, deixar o orgulho de lado e assumir uma postura que até então consideraríamos impossível de partir de nós. Se partirmos do princípio que ninguém é perfeito, vejo que é o erro que nos torna humanos. E, acredito eu, perdoar é como que exercer nossa própria humanidade.

Claro que também não é de um dia pro outro que a coisa acontece. Não é automático decidir perdoar e simplesmente deixar de escanteio o motivo pelo qual o fez. Isso vem com o tempo – como diversas outras coisas na vida da gente. E aí chega a hora de passar a bola do saber lidar com a situação para o outro lado. Porque também seria fácil demais ser perdoado e pronto. O outro, mesmo que inconsciente, ao pedir perdão, traz consigo a disposição de ser paciente com todo o processo. Porque, vez ou outra, aquela dor pode acabar sendo exposta – seja no calor de uma discussão, seja ouvindo uma música ou simplesmente num momento introspectivo qualquer.

Querendo ou não, pedir perdão também implica num tipo de prisão cuja pena é mensurada pela volta da confiança – ou que for possível resgatar dela, se for possível. Não que seja impossível perdoar sem voltar a confiar, porque eu acredito que o é. Mas, em regra, quem é perdoado tem a crença de que, no momento seguinte, as coisas voltarão a ser como antes. E, por mais que o perdoador tenha se disposto a passar aquela pseudo borracha do esquecimento em cima do ocorrido, é praticamente impossível que a história continue tão bela quanto outrora foi.

Perdoar, na verdade, é algo que vai fazer muito bem para quem pediu perdão. Mas é ainda melhor para quem o faz. Tira um peso do coração, ajuda a virar a página, transforma a mágoa numa centelha de esperança na crença de que a vida tem seus percalços, mas não acaba. Perdoar colabora para que nos sintamos livres do pesadelo recorrente de que não merecíamos o que aconteceu. Mesmo que não nos livre de, vez ou outra, sermos tomados por uma dolorida lembrança do ocorrido. É assim mesmo.

Lembrar é inevitável, mas perdoar é a forma – pelo menos que eu encontrei – para não deixar que essa lembrança se transforme numa pseudo culpa pelo erro que o outro cometeu. Perdoar me dá a autonomia de acreditar que todo mundo merece uma segunda chance. Ou uma terceira, ou quarta e por aí vai. Pode ser que alguém entenda isso como falta de amor próprio, mas, ao meu ver, perdoar é um dos mais eficientes – e corajosos – atos de amor por si mesmo. E se perdoar e dar uma segunda chance implicar em dar-se mais uma oportunidade para ser feliz, porque não? É difícil, doloroso e, as vezes, até impossível acreditar que essa dor vai passar (pode até ser que não passe), mas se propor à tentar faze-lo pode ser o primeiro e único passo para conseguir. Eu prometo: a sensação de paz é inerente ao ato. Nem todos querem exercer o perdão, mas todos querem paz. Vale à pena tentar.

Monday, November 04, 2013

olhos

Não sei a cor dos seus olhos, fechados a maior parte do tempo, enquanto você se contorce suavemente ao som da música do bar. Uma cerveja numa mão, um cigarro na outra. Cabelo desgrenhado, pelo descuido costumeiro de quem raramente se arrisca a sair da rotina trabalho e faculdade durante a semana. Deve ser bicho de História, dizem uns, ou Ciências Sociais, dizem outros, e trabalhar com cultura, pelas vestes desprovidas de qualquer formalidade. Curte MPB, já se percebe. E agora ensaia uns passos de samba, desengonçado e sorridente, quase que sem graça por perceber alguns olhares femininos descarados e provocantes na sua direção. As gostosas sempre se dão melhor no fim da noite. Mas então, quase que sem querer, em meio a todos os sorrisos reluzentes da noite, você se vê observado por um par de olhos num rosto que não demonstra sorriso algum. Estou de lábios cerrados, hipnotizado pela sua desenvoltura meio sem jeito na pista central. Ri pra mim, demonstrando, quem sabe, interesse por quem está mais interessado na cor dos seus olhos do que terminar a noite na cama com você. É do tipo que dá mais valor à poesia que ao próprio poeta, penso eu. E talvez concorde comigo que só os olhos entendem mais de poesia que o próprio corpo que a declama. Eu rio de volta. Uma nascente sem água que desagua no mais absoluto silêncio que a banda deixa imperar no palco nesse momento. Elas vão até você, as gostosas, e eu acredito que, três da manhã, já é hora de seguir o ritmo dos músicos, entornar a saideira, pegar meu rumo sem rumo e partir. Saio do bar a chamar um táxi, batendo no vidro para acordar o motorista que dorme no banco de trás. Você me cutuca as costas e pergunta se não quero uma carona. Carona com desconhecido, onde já se viu. Já tive uma prima quase atacada por um desses psicopatas da noite rio branquense, vai saber. Mas você parece ler meus pensamentos: diz que vai pro mesmo bairro que eu. E você sorri, como se um sorriso fosse capaz de me convencer. Então você me olha nos olhos. Os seus castanhos, agora consigo ver. Poderia até errar dessa vez, mas nunca me enganara com o olhar de ninguém. Não é qualquer coisa que se extrai dos olhos de alguém, é poesia. E eu sempre acredito na poesia. Sigo no seu encalço, em silêncio, com as mãos no bolso, até seu carro. Você se desculpa pela simplicidade do automóvel. Usado, vinte e um anos de atividade, um ano mais velho que você, um estudante de Publicidade e estagiário em jornal independente. Dividimos um cigarro até me deixar no portão de casa, afinal foi carona assim oferecida. Até duvidaria do desprendimento de telefone celular, não fosse pela agenda abarrotada de papéis presos com clipes e grampos e cheia de anotações. Um último sorriso, quase gargalhado, ao dizer que não gosta de redes sociais.
- Alfredo.
- David – com d mudo.

Thursday, September 19, 2013

saudade da despedida

Me despeço com um beijo e um abraço. Digo um até amanhã com o desejo de que o amanhã chegue dali, no máximo, cinco minutos. Porque a saudade me completa envolvendo todo o meu corpo. Não só uma saudade de estar, mas de sentir. Um desejo e esperança de que o amanhã chegue tão rápido quanto aquele primeiro dia de aula do segundo grau quando, na minha cabeça, eu deixaria de ser criança para me tornar adolescente. Já sinto uma saudade entorpecente guiando meus passos até o momento em que vou te encontrar novamente me esperando ao lado da porta, de mãos abertas para adentrar o desconhecido. Me despeço com um beijo e um abraço como se dali, no máximo, cinco minutos, o mundo fosse deixar de existir. Porque essa saudade me completa com a mesma certeza de que, tão logo, haverá um reencontro.

Wednesday, September 18, 2013

a primeira vez

Começou com uma cadeira virando pra mim e um assunto engraçado sendo conversado. Mas eu prefiro dizer que começou com o primeiro encontro. Meu primeiro encontro, por assim dizer. O fato é que a primeira vez é sempre inesquecível. Pelo menos para mim. Eu estava nervoso, era perceptível. As mãos inquietas, a voz quase inaudível, a falta de assunto e o coração acelerado. Era minha primeira vez. Do primeiro encontro veio o primeiro abraço. Apertado, sem malícia, com carinho e muita gratidão. O nervosismo já não imperava, mas eu ainda ria descontroladamente vez ou outra. Ou sorria sem motivo, digamos. Então o primeiro beijo. Conectado sem amarras, sem diferenças, apenas com um encaixe perfeito. Do primeiro beijo a primeira espera. Não ultrapassar limites, não colocar a carroça na frente dos bois, ir com calma. Um riso bobo, um abraço apertado e o coração sempre acelerado. Então o encontro de corpos. O primeiro encontro de corpos. As mãos trêmulas afagando os cabelos enquanto se seguia rumo ao desconhecido. Um destino desconhecido que parecia há muito estar entrelaçado ao desejo de ambos. E o coração acelerado, sempre. Assim traduzia-se o bater de asas das borboletas dentro do estômago. Uma capacidade eloquente de transformar cada momento em uma primeira vez.

Sunday, September 15, 2013

72 horas


Um sorriso aberto entrega o que cabe nesse espaço de tempo entre um dia e outro e mais um dia. Uns vários sorrisos transmitem a possibilidade de transformar uma esperança em realização, enquanto se tenta desviar um olhar do outro, para que não ocorra de, de repente, fixar os olhos e perceber-se frente a uma miragem. Um coração acelerado vai além da velocidade permitida, encorajado pela impossibilidade de ser multado, mas, tão somente, ser recompensado. Tanto tempo torna-se pouco. E o corpo, estremecido de tão incrédulo, responde apenas aos sinais vitais, como se a qualquer momento fosse desfalecer diante de tão boas intenções. Setenta e duas horas transmutadas no desejo de ser melhor, de fazer melhor, de sentir melhor. Uma prece de mãos entrelaçadas, para acalentar a alma e levar paz aos sonhos que, agora, pareciam se realizar. E os olhos, então brilhantes, fixos na certeza de que estavam tornando aquele pequeno momento em algo eterno. Setenta e duas horas de incertezas tão certas quanto a certeza que após um domingo vem uma segunda.

Wednesday, September 11, 2013

só o tempo

Desejo nunca foi meu forte. Apenas te via através daquela tela que me levava a inúmeros lugares inimagináveis. Eu te via ali apenas como mais um daqueles que transportavam a notícia até a minha casa. Na maioria das vezes de calça jeans, mas sempre com uma camisa social daquelas que eu só vestia nas ocasiões mais importantes. A que eu mais lembro é de uma branca. Nem sei se você ainda a tem. Não sei se é verdade, mas você namorava alguém que eu conhecia na época. E, sim, eu achava que vocês iriam casar. E imaginava a revolução que seria na casa dele se isso acontecesse. E, de certa forma, imaginava como seria a revolução na minha casa caso acontecesse o mesmo comigo. Não te via além da beleza, não posso mentir. Ao mesmo tempo em que, lá vem a minha autoestima super legal, não imaginava jamais te conhecer, porque sempre te achei demais pra mim. E, de repente, tantos anos depois, isso acontece. Não sei dizer exatamente em que momento eu senti aquela pontada diferente no peito. Não sei se foi quando você virou a cadeira pra mim e puxou conversa, ou quando a conversa fluiu, ou quando nos despedimos e eu queria conversar mais, ou quando, de repente, você apareceu na minha lista de contatos, ou quando você passou o dia sem me responder, ou quando eu sonhei com você, ou quando eu senti sua falta. Não sei. Eu nunca sei, na verdade. E é uma das coisas que eu mais gosto em tudo isso: não saber. O não saber é tão legal. Apesar de eu não ter certeza de alguma coisa, eu tenho tempo pra imaginar. Eu tenho tempo pra criar uma história, inventar um futuro, sonhar com o papel principal da novela que eu nunca assisto, mas acompanho pelos resumos virtuais. Você me ignora, sem querer. Me distrai, sem perceber. Me entorpece de um jeito tão calmo que, só Deus sabe, faz tremer os dedos ao se entregarem ao teclado que tentam lhe passar uma mensagem. Você me fala de seriedade e eu brinco de ser sério. Me fala de relacionamento e eu lembro das duas únicas vezes em que quis casar, sem imaginar que uma terceira poderia chegar. E me expõe as flores de um jeito que eu olho para a janela e quero ter um jardim só meu para que você possa cuidar. Ou, melhor, para que possamos cuidar juntos. Me faz querer ser diferente sem nem ao menos ter pedido isso. Me transmite paz pelo simples fato de conversar tão pacificamente comigo que o resto do mundo parece complicado demais para eu conseguir entender. Assim, tão fácil. Tão fácil sem que eu mesmo entenda essa facilidade toda de me conquistar sem olhar, sem tocar, sem prometer nada. Quem pode dizer para onde vai a estrada, para onde vão os dias? Só o tempo. O tempo. O tempo através daquela tela que me levava a inúmeros lugares inimagináveis. Aquele tempo em que eu te via ali apenas como mais um daqueles que transportavam a notícia até a minha casa. Na maioria das vezes de calça jeans, mas sempre com uma camisa social daquelas que eu só vestia nas ocasiões mais importantes. O tempo, senhor do destino. O tempo, que sempre traz a solução sem nem ao menos saber se é dela que a gente precisa. O tempo que vem depois que a gente se sente livre o suficiente para abrir as asas e voar para um ninho mais seguro que aquele com o qual estávamos acostumados. O tempo que abre meus olhos e ilumina o caminho, não sei se mais certo, mas, com toda a certeza, mais aberto e verdadeiro que os tantos outros que um dia eu tentei seguir. O tempo que parece não passar, mas deixa que chegue mais um dia para ser feliz.

Tuesday, July 23, 2013

pedacinho do céu


Meus passos iam curtos. Seguia caminhando à beira do rio, em busca sabe lá Deus do quê. Olhava um horizonte meio perdido dentre as árvores que seguiam a curva que a água fazia logo a frente. O sol já se escondia por entre as folhas, mas deixava aquele turbilhão de cores perpetuando-se através do céu que ia escurecendo. De certo que, apesar de estar com vários objetivos na cabeça, ainda sentia o peso do fracasso sobre ela. Era como se estivesse seguindo em frente, mas seguindo para um futuro vazio. Algo estava errado. Sentei à margem do rio e me peguei a pensar. A gente passa muito tempo da vida procurando sentido nas coisas. Até perceber que, na grande maioria das vezes, a maioria dessas coisas não faz sentido nenhum. Porque costuma-se procurar sentido onde já se sabe, na grande maioria das vezes, que não há. E você só percebe isso quando é surpreendido por algo que, de certa forma, estava colocado bem à sua frente e você nunca estivera de olhos abertos para enxergar. De repente quando tudo parecia sem sentido você decidiu seguir um caminho diferente. Estabeleceu um novo foco, decidiu, se não começar do zero, pelo menos transformar seus passos numa nova caminhada. E, naquele momento, admirando a água barrenta que seguia um curso certo, eu, inerte e sem saber o curso que deveria seguir, percebi que deveria seguir um curso qualquer. Ali, naquele instante, cabeça meio vazia, pés molhados, esperança se acumulando, eu recebi um pedacinho do céu. Não precisou me abrir os olhos, que já estavam abertos. Mas encheu meu coração de paz. Me disse que no inverno ainda existem plantas que florescem. Deus me enviou um pedacinho lá de cima para me fazer crer, com toda a convicção que eu tivesse naquele momento, e da forma mais simples possível, que a gente nunca deve perder a esperança. Um pedacinho do céu apareceu do nada e encheu de alegria meus dias e aqueles pensamentos outrora vazios. Levantei e resolvi seguir minha caminhada. À beira rio, ainda. Ainda não sabia em busca do quê. O sol já havia se posto e o horizonte já não se mostrava tão colorido. Mas o céu escuro já não significava apenas que não existiam cores, apenas que eu deveria ter paciência pois elas viriam novamente pela manhã.

Friday, July 05, 2013

de volta pra casa

Eu nunca te pedi um pedido de desculpas. Nunca te pedi pra beijar meus pés e dizer que era culpado de qualquer crime que fosse para que eu voltasse atrás de qualquer decisão e me envolver novamente em teus braços. Nunca te pedi que me beijasse novamente como da primeira vez. Nunca te pedi que me dissesse eu te amo, como da primeira vez que nem de verdade ainda era. Porque eu sei que, de verdade,e você só me disse isso alguns meses depois. Tanto que naquelas três primeiras vezes que eu ouvi nem soube retribuir porque não sentia o mesmo. Eu nunca te pedi pra me apresentar ninguém, pra me incluir na sua vida, me pegar pela mão e, contra tudo e contra todos, me levar pra almoçar com a família inteira como se nada estivesse acontecendo. Eu nunca pedi pra comer o churrasco que você, humildemente, dizia saber fazer. Nunca pedi pra tomar banho na piscina que você tanto esbanjava ter. Nunca pedi pra conhecer o Rio de Janeiro. Nunca, nunca mesmo, pedi pra dividir um apartamento ou um simples café da manhã com você. Ou até mesmo aquele simples último passatempo recheado do pacote. Que, no fim das contas, eu sempre deixava pra você. Eu nunca, na verdade, te pedi pra me prometer nada. Nem amor, nem fidelidade, nem lealdade. Eu nunca te pedi nem mesmo estar ali pra mim quando eu quisesse. Eu te peço hoje. Talvez seja tarde, realmente. Talvez pedir hoje seja pedir demais. Não que eu ache, porque não acho. Porque te pedir pra mim não é pedir demais. Porque acho que já somos um pro outro sem precisar pedir além disso. Mas eu te peço além. Eu te peço além de tudo isso que nunca te pedi. Eu só te peço, hoje, que nunca, nunca mais, deixe de me pedir nada. Como eu nunca mais deixarei de te pedir nada. Porque, pensando bem, sei que amadurecimento tem muito mais a ver com o que nós mesmos temos consciência. Mas também tem a ver com aquilo que nós conseguimos pedir ao outro que faça por nós. Não que o outro seja obrigado a fazer. Mas o outro também não é obrigado a adivinhar o que nós queremos. Na verdade nós somos obrigados a dizer ao outro o que nós queremos. A cabeça que está acima do pescoço é a nossa própria. E talvez um dos maiores erros esteja aí. Os outros erram. Mas nós também erramos. Não é medida de erro. É só questão de reconhecimento. É só questão de, por mínimo valor que seja, dar um tempinho do seu dia pra poder ouvir o outro. Talvez não seja o que você quer ouvir. Mas seja o melhor, e mais honesto, que ele tem a lhe oferecer. As vezes são risadas. E não há nada mais sincero que isso. Talvez eu nunca tenha errado. Talvez você nunca tenha errado. Mas, hoje, isso não importa. Porque, hoje, erros não importam. Nem acertos, na verdade. Hoje só importa o hoje. Hoje só importa o saber que, a qualquer hora que seja, um vai estar pro outro mais que qualquer outro dia. Porque o amor - e isso, pra mim, é a verdade mais absoluta - está além do beijar na boca ou dormir junto. O amor está no simples fato de rir junto, mesmo de longe. O amor está no simples fato de pensar na mesma coisa, mesmo que separado. O amor está no simples fato de existir, sem cobrar nada em troca porque é o sentimento mais gratuito de todos.

Wednesday, July 03, 2013

a pequena princesa

Olho para minha estante de livros e me recordo do dia em que conheci uma menininha engraçada. Tinha por volta de sete, oito anos. Estávamos os dois no consultório do dentista. Ela aguardava sua mãe sair e eu seria o próximo paciente. Estava sentada ao meu lado com O Pequeno Príncipe nas mãos, mordendo o canto dos lábios. Sem qualquer apresentação ela virou-se pra mim:
- Moço, qual seu maior sonho?
Acabei por dar um sorriso meio bobo, enquanto ela repetia a pergunta, com um brilho nos olhos que era só dela. Eram olhinhos esverdeados. Crianças morenas de olhos claros são lindas. Resolvi dar-lhe atenção e fiquei a me questionar que sonho eu poderia considerar como o maior de todos. Pensei em todas as vezes que quis sair de casa e meu sonho era comprar um apartamento. Pensei na faculdade que eu fiz na esperança de uma melhor situação financeira pra realizar o sonho de fazer outro curso. Lembrei-me das horas de situação econômica precária enquanto sonhava em conseguir um bom emprego. Lembrei-me daquele carro que passei a infância inteira sonhando para ter um igual. E aquele passeio de navio que eu nunca fiz. Conhecer a Europa, talvez? Veneza seria uma boa. Ver a Terra do espaço? Talvez ter um filho seja uma boa. Formar uma família, eu poderia dizer a ela. Mas aquele livro em suas mãos não era apenas obra do acaso. E eu lembrei de todas as vezes em que eu vi o fundo do poço, de todas as decepções que eu tive, todos os pesadelos que me assustaram noite adentro e em todas essas horas eu só sonhava com a hora que tudo ficasse bem. E lembrei da única coisa que sempre me fazia voltar para meus sonhos: escrever.
- É isso aqui – eu disse enquanto apontava para a página aberta do livro – Meu maior sonho está aqui. São essas palavras, sabe? Quero conhecer todas, entender todas e poder escrever histórias sobre pessoas que fazem perguntas tão inteligentes assim como você.
Ela me sorriu. A mãe saiu da sala do dentista.
- Toma, aqui tem um monte de palavra bonita – ela disse enquanto descia do sofá e colocava o livro sobre minhas pernas.
- Mas esse livro é seu.
- Fica. Fica de presente.
Dei um sorriso meio bobo novamente.
- Só me fala uma coisa antes: e o seu, mocinha? Qual o seu maior sonho?
- Ser assim tão inteligente quanto o senhor.
Eu nunca havia lido O Pequeno Príncipe antes, mas já conhecia uma pequena princesa.