Eu tive alguns amigos imaginários na infância, mas lembro bem mesmo de dois: Felipe e Leonardo. Me acompanharam por anos, eu lembro bem. Brincávamos de esconde-esconde, pega-ladrão, pique-cola, dentre tantas outras brincadeiras infantis daquele tempo. Acho que foram embora ao mesmo tempo, mas, com exceção de todas as outras vezes em que davam um tempo de mim e voltavam a me encontrar, a última não teve despedida. Eles não abanaram as mãos ou disseram até breve, talvez porque fosse melhor que simplesmente se fossem já que não voltariam mais. Eu sabia que eram imaginários e deve ser essa a razão pela qual nunca senti saudades. Ou eram eles simplesmente meu jeito inocente de lidar com aquela solidão de ser a única criança dentro de casa.
Felipe e Leonardo nunca saíram de casa comigo. Daquelas outras vezes, que se foram e voltaram tempos depois, eu nunca havia me perguntado para onde eles iam. Melhor, eu nunca senti a necessidade de criar um lugar para deixá-los acomodados enquanto recebia amigos de verdade em minha casa. E eles só davam um tempo de mim nesses dias, quando outros – tão reais quanto eu – se faziam presentes nos arredores. Era quando eu não estava sozinho que eu os deixava sozinhos, à mercê dos monstros grotescos que advinham da cabeça de outras crianças. Eu os devolvia pra lá, onde diversos mundos cruzam com outros mundos num espaço onde tudo é permitido: a imaginação. E eles talvez tenham se despedido de mim aquela última vez, mas eu já não os ouvia mais.
Eu nunca encontrei o Felipe ou o Leonardo em todos aqueles anos que se passaram desde então. E, mesmo tendo-os na minha lembrança vez ou outra, nunca havia me questionado sobre onde aqueles dois ficavam quando eu não precisava deles. E tal qual eu não me sentia egoísta ao abandona-los quando criança, hoje também não senti remorso por imaginar que um daqueles monstros pudesse ter posto as mãos neles e feito sabe lá deus o quê. Por que eu descobri, quase que instantaneamente àquela percepção sobre ignorar seu paradeiro, que outras pessoas precisavam deles também. Até mesmo outros Felipes e Leonardos, de carne e osso como eu, mas ainda cheios daquela solidão e preguiça que eu já não mais tinha em excesso.
Eu realmente já não precisava deles e não precisei me despedir porque, cedo ou tarde, acabaríamos por nos reencontrar novamente. E só um cumprimento não seria suficiente para que nos reconhecêssemos. Porque não estariam na imaginação, em alucinações, reencarnados em alguém ou até em espírito. Estariam nas lembranças de um outro alguém –até alguém de mesmo nome para ser óbvio demais. Enquanto eu tomava banho de piscina com os coleguinhas da escola, Leonardo era o pino rival do vermelho escolhido pelo garotinho para aquela tarde em que não precisou esperar sua vez de jogar os dados nenhuma vez. Enquanto estava na escola, Felipe acompanhava o crescimento gradativo da coleção de revistas infantis de um outro garotinho que lia trancado no quarto, iguais àquelas que ele tinha me visto ler anteriormente.
Assim como eu esses garotinhos devem ter crescido e os deixado partir também. E provavelmente nem devem saber que simplesmente os deixaram à mercê dos velhos monstros que levam temor a tantas crianças. Nós sempre fazemos isso, no fim das contas. E não dói justamente por ser aquilo que deve ser feito naquele momento. Não fosse assim eles ainda estariam aqui comigo ou onde quer que estejam os outros que os conheceram – sem saber até. Mas existem outros, mais novos que a gente, precisando de amigos como eles para crescer. E é lá que eles estão. São as vidas de outros pequenos onde nós os deixamos sem nos despedir. Porque, hora ou outra, podemos encontrar um desses pequenos já grandes por aí. Hoje foi um dia extraordinário. É que eu acabei encontrando um Felipe e o Leonardo.