Estava em um daqueles meus momentos em que a única companhia que tenho é a do meu reflexo no espelho. Eu chamo de “a hora do dia em que eu mais gosto de mim”, porque o espelho é grande e eu me faço plateia de mim mesmo enquanto ouço música e canto e invento passos de dança só meus e, com exceção das vezes em que faço graça com caretas, sou só sorrisos. É a hora do dia em que eu mais gosto de mim porque eu não paro de sorrir. E, modéstia à parte, eu gosto do meu sorriso. Desse jeito dele mesmo, torto, mais fino de um lado e mais bochechudo do outro, emoldurado ou não pela barba cheia ou rala.
Mas teve uma época em que eu desgostei dele. foi quando a puberdade chegou e aquele princípio de bigode começou a afetar minha aparência e me deixar aparentemente mais beiçudo que o real. Lembro bem de quando o tirei pela primeira vez, aos quatorze anos, e de como me senti um homem ao fazê-lo sozinho, sem nunca ter sido ensinado por ninguém. Com o tempo o restante dos pelos foi surgindo e por volta dos dezessete anos eu passei a gostar daquele meu sorriso barbado. Ainda não cobria o rosto como eu desejava, mas pelo menos eu não tinha só aqueles pelos acima dos lábios. Eu nunca combinei com bigode.
Então eu estava em um daqueles momentos em que a única companhia que tenho é a do meu reflexo no espelho, já há algumas semanas sem aparar os pelos do rosto. Era noite de sábado e “todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite”, já dizia Toni. Eu esperava, sim. E, enquanto dava fim à barba para sair de cara lisa, fui contornando o bigode para deixa-lo inteiro e fazer graça no espelho antes de raspá-lo por completo. Era a hora do dia em que eu mais gosto de mim e, depois de molhar um pouco o cabelo e mexe pra cá e mexe pra lá, eu sorri e aquele bigode sorriu junto: torto, mais cheio do lado mais fino e curvando do outro na covinha mais aberta. Eu já não ficava mais beiçudo que o real. Só estranho, mas beiçudo não.
E foi a primeira vez que eu gostei do meu bigode. Já tinha feito aquela experiência outras vezes, mas nunca me arriscara a deixar que ela se exteriorizasse além da porta que me separava do resto do mundo. E eu esperava tudo daquele sábado à noite, menos coragem para encarar plateia além do meu próprio reflexo pela primeira vez com aquele sorriso diferente. Cara lisa agradava uns, barba cheia outros, barba rala a maioria. Bigode? Era a hora do dia em que eu mais gostava de mim e eu gostara daquele bigode sorrindo junto com meu sorriso. Talvez fosse hora de apresentar um novo sorriso pro mundo, mesmo que o mundo olhasse torto pra ele. Torto ele já era, afinal.
Então eu tive alguns outros momentos, com amigos, com família, com desconhecidos, com colegas de trabalho. Teve quem pedisse para tirar aquele bigode antes mesmo do oi. Teve quem achou diferente, mas ficar diferente talvez fosse bom também. Teve quem nunca gostou e acabou gostando. Teve quem só gosta da cara lisa e não adianta que nunca vai gostar de pelos. Teve quem preferia a barba, mas o bigode fazia preferir cara lisa. Teve quem achou parecido com cantor, com ator e com malandro. Teve até eu mesmo arrependido, mas não tinha barbeador para dar fim nele naquele momento. Teve quem não disse nada. E vários que disseram só com o olhar.
Eu nunca fui tão polêmico, brincou comigo uma amiga. O sorriso barbado já era costumeiro até para quem não gostava dele. Tal qual o sorriso juvenil também o era para quem preferia a virilidade dos pelos. Mas aquele sorriso era novidade até para mim. Eu nunca fui tão polêmico comigo mesmo, na verdade. E entre todos aqueles momentos, pelo espelho ou pela câmera frontal do celular, eu ia lá conferir como estava ele, o bigode. Não era bonito e não sou suficientemente fotogênico, mas dava para fazer graça: tinha o estilo sério e com cabelo assim, o estilo cafetão, malandro, peão ou de época. E, de graça, seguia-se um sorriso. Fosse só meu quando sozinho, fossem vários quando acompanhado das reações alheias.
Então hoje eu estava mais uma vez em um daqueles momentos em que a única companhia que tenho é a do meu reflexo no espelho. Hoje é terça e, tal qual domingo e segunda à noite, eu molhei o rosto, esfreguei o creme de barbear e passei a lâmina por todo o rosto. Mas, tal qual naquele sábado à noite, eu contornei o bigode. Eu nunca combinei com bigode e, pelo fato de acreditar piamente nisso, acredito que talvez nunca combine. Mas enquanto eu estiver sorrindo e ele estiver sorrindo junto eu vou deixa-lo aqui. Afinal, modéstia à parte, eu gosto do meu sorriso. Desse jeito dele mesmo, torto, mais fino de um lado e mais bochechudo do outro, emoldurado ou não pela barba cheia ou rala. E até sorrindo com bigode.