Thursday, January 08, 2015

Por detrás dos olhos foscos


Quando a conheci, pouco mais de dez anos atrás, eu tive o prazer de ser tocado por um sentimento que eu tinha certeza conhecer, mas só ali pude ter a certeza de senti-lo puro pela primeira vez: amor. Puro, sem intenções, de um jeito que só quem o tem em excesso consegue exteriorizar. Pessoas assim tendem a doar-se demais, nem sempre confiantes, mas sempre crentes na possibilidade da reciprocidade. E o coração dela era de uma bondade tão inestimável que, ciente da reciprocidade incompleta que eu podia lhe dar, construí um santuário em sua homenagem, rezei para que a vida lhe desse o que realmente era merecido e parti.

Na mala só aquele monte de amor que eu nem sempre fiz por merecer. Mas, se me fora permitido recebe-lo, devia ser para distribuí-lo e poder ser o canto seguro de alguém tal qual ela havia sido o meu. Foi assim que eu descobri que pessoas como ela tendem a doar-se demais e, estejam confiantes e crentes na reciprocidade do outro ou não, esquecem da reciprocidade que deveriam ter por si mesmos. E, enquanto percorrendo o solitário caminho do amadurecimento em busca de renovar o respeito por mim mesmo e reencontrar o amor que tinha deixado se perder de mim, eu me conformei com a possibilidade de que aquele amor puro ao qual eu fora apresentado era justamente o tal sentimento que só temos a oportunidade de sentir uma vez na vida, como diziam alguns.

Tentei seguir atalhos, mas o único ponto de chegada era a conclusão de que havia desperdiçado tempo porque me perdia em círculos e precisa refazer longos percursos. Entendi o quanto recomeçar não era fácil, então dei as costas pro que sonhava desde muito tempo ter no futuro e resolvi descansar uns dias nas margens de um rio, ensaiando como seria encantar-se com tantas outras belezas nos anos vindouros sem outro par de olhos para compartilhar da mesma vista. Existia, sim, prazer naquela solidão. Mas eu não queria ser para sempre só. E aquele amor puro, energizando todos os sentidos de paz antes mesmo de uma primeira troca de palavras, não fazia mais parte dos planos, pois já estava no passado da minha vida.

E de repente, como que fazendo de um sonho a vida real, o coração acelerou. Assim como quando a conheci, de um jeito acelerado que acalmava a alma. Os pensamentos foram ficando desconexos porque, ainda que não fosse um sentimento estranho, era estranho sentir aquilo tanto tempo depois. Principalmente pelo fato de que só ela me fizera sentir daquele jeito. Assim eu descobri que pessoas como ela tendem a se deixar serem tão maltratadas que, vez ou outra, podem perder o brilho nos olhos: sinal de que o amor que carregam, outrora em excesso, torna-se seu bem mais escasso. Essa cruz de precisar esgotar o amor que se tem para, antes de se amar, poder receber o amor de outro é de um peso que parece impossível de carregar. E só descobri isso porque não era por ela que, tal qual quando fomos apresentados, eu almejei ser melhor a partir daquele momento.

Por detrás dos olhos foscos, eu consegui enxergar um brilho que, quase que instantaneamente, renovou em mim aquela esperança responsável por somar o amor que aprendi a sentir por quem eu realmente era ao amor que recebi anos antes. Puro, sem intenções, de um jeito que só quem o tem em excesso consegue exteriorizar. Pessoas assim tendem a doar-se demais, nem sempre confiantes, mas sempre crentes na possibilidade da reciprocidade. Meu coração não era autoconfiante, mas nunca perdera a fé. E o coração dele, ainda que momentaneamente vazio, era, tal qual o dela, de uma bondade tão inestimável que, ao invés de partir, resolvi montar acampamento ali mesmo. Talvez fosse hora de, tal como ela havia sido para mim, ser o canto seguro de alguém.