Monday, November 25, 2013

cinco anos



Era quarta-feira, dia de jogo. Eu recém saíra da aula de natação e fui ao bar encontrar uns amigos. Fim de ano, férias da faculdade, qualquer dia da semana era sexta. Eu me recuperava do término de um relacionamento imaginário, criado e vivido pela minha cabeça criativa, que por pouco não levou meu bem mais precioso. Havia poucos dias eu tinha me entregue ao mundo de braços abertos e coração livre depois de muito álcool na cabeça. Voltara a tomar remédio, também. Definitivamente, exatamente cinco anos atrás, eu me encontrava num momento que se assemelha àquele período de adaptação entre tirar a primeira e a segunda rodinha bicicleta.

Naquela primeira vez que nos vimos eu não imaginava que finalmente aprenderia a andar na bicicleta da vida sozinho. No máximo achei que era apenas mais um dia que eu conseguia me equilibrar sobre a segunda roda. Na realidade era. Por mais alguns dias, pelo menos. Mas você foi a primeira vez que eu tirei a segunda rodinha, criei coragem e consegui me equilibrar e não cair antes de apertar o freio no fim da rua. Você me trouxe de volta à vida de um jeito que até hoje talvez não saiba. Sem querer, sem pedir, sem medida.

Há cinco anos demos início a uma história linda. Uma história cheia de passeios de bicicleta pelo parque, pela praia e pelas estradas da vida. Uma história com buracos na estradas, caminhos sinuosos e algumas quedas que originaram os mais diversos arranhões. Uma história que, mesmo com todos os percalços passados, conseguia – e ainda consegue – nos dar força para levantar o corpo do asfalto, subir novamente na bicicleta e, olhando para o sol que se põe, sorrir um pro outro apenas para certificar que não existe mágoa.

Hoje faz cinco anos que trocamos olhares, nomes e iniciamos o primeiro capítulo de um romance cujo fim é parte de um felizes para sempre, que não necessariamente significa termos ficado juntos como nos contos de fada. Ficamos juntos, sim. Ficamos juntos numa relação melhor, mais verdadeira e honesta que poderíamos ter. Hoje faz cinco anos que eu escolhi, mesmo que inconscientemente, te ter na minha vida. Não como da primeira vez. Mas de uma segunda que com certeza é ainda melhor.

Tuesday, November 19, 2013

perdão

Você pode bater o pé, fazer cara feia e jurar de mãos e pés juntos que não concorda, mas o fato é que não existe nada – a não ser uma máquina que apague a memória – que te faça esquecer verdadeiramente aquela traição que te machucou tão profundamente. O já batido ditado de que quem bate esquece, quem apanha não. Mesmo que a surra levada não tenha acontecido dolosamente. A gente faz merda sem querer mesmo, as vezes. Aprendi, vendo por este lado, que o perdão tem mais a ver com a forma como você passa a lidar com uma situação do que com o – falso – esquecimento dela.

É que já ouvi dizerem diversas vezes por aí que para perdoar é necessário esquecer, ou vice versa. Não concordo. Você pode perdoar, sim, sem esquecer qualquer mínimo detalhe daquilo que te levou a deixar o orgulho de lado e tentar sorrir mais uma vez. As vezes vejo o “perdoar” como o amor. A gente não ama ninguém só pelo que conhece de bom. A gente ama quando aceita até o que a pessoa não tem de bom. A gente só ama mesmo, de verdade, quando aceita aquele defeitinho chato que só veio a conhecer depois que a paixão passou. Perdoar é mais ou menos assim.

Eu te desculpo pela merda que você fez, mas isso não quer dizer que eu vá esquecer. Perdoar, pra mim, não tem nada a ver com o fato de fingir que nada aconteceu, afinal errar todo mundo erra. Essa é uma das coisas mais belas do mundo. O erro. Na maioria das vezes, é só quando erramos – e assumimos isso – que somos capazes de nos colocar no lugar do outro, deixar o orgulho de lado e assumir uma postura que até então consideraríamos impossível de partir de nós. Se partirmos do princípio que ninguém é perfeito, vejo que é o erro que nos torna humanos. E, acredito eu, perdoar é como que exercer nossa própria humanidade.

Claro que também não é de um dia pro outro que a coisa acontece. Não é automático decidir perdoar e simplesmente deixar de escanteio o motivo pelo qual o fez. Isso vem com o tempo – como diversas outras coisas na vida da gente. E aí chega a hora de passar a bola do saber lidar com a situação para o outro lado. Porque também seria fácil demais ser perdoado e pronto. O outro, mesmo que inconsciente, ao pedir perdão, traz consigo a disposição de ser paciente com todo o processo. Porque, vez ou outra, aquela dor pode acabar sendo exposta – seja no calor de uma discussão, seja ouvindo uma música ou simplesmente num momento introspectivo qualquer.

Querendo ou não, pedir perdão também implica num tipo de prisão cuja pena é mensurada pela volta da confiança – ou que for possível resgatar dela, se for possível. Não que seja impossível perdoar sem voltar a confiar, porque eu acredito que o é. Mas, em regra, quem é perdoado tem a crença de que, no momento seguinte, as coisas voltarão a ser como antes. E, por mais que o perdoador tenha se disposto a passar aquela pseudo borracha do esquecimento em cima do ocorrido, é praticamente impossível que a história continue tão bela quanto outrora foi.

Perdoar, na verdade, é algo que vai fazer muito bem para quem pediu perdão. Mas é ainda melhor para quem o faz. Tira um peso do coração, ajuda a virar a página, transforma a mágoa numa centelha de esperança na crença de que a vida tem seus percalços, mas não acaba. Perdoar colabora para que nos sintamos livres do pesadelo recorrente de que não merecíamos o que aconteceu. Mesmo que não nos livre de, vez ou outra, sermos tomados por uma dolorida lembrança do ocorrido. É assim mesmo.

Lembrar é inevitável, mas perdoar é a forma – pelo menos que eu encontrei – para não deixar que essa lembrança se transforme numa pseudo culpa pelo erro que o outro cometeu. Perdoar me dá a autonomia de acreditar que todo mundo merece uma segunda chance. Ou uma terceira, ou quarta e por aí vai. Pode ser que alguém entenda isso como falta de amor próprio, mas, ao meu ver, perdoar é um dos mais eficientes – e corajosos – atos de amor por si mesmo. E se perdoar e dar uma segunda chance implicar em dar-se mais uma oportunidade para ser feliz, porque não? É difícil, doloroso e, as vezes, até impossível acreditar que essa dor vai passar (pode até ser que não passe), mas se propor à tentar faze-lo pode ser o primeiro e único passo para conseguir. Eu prometo: a sensação de paz é inerente ao ato. Nem todos querem exercer o perdão, mas todos querem paz. Vale à pena tentar.

Monday, November 04, 2013

olhos

Não sei a cor dos seus olhos, fechados a maior parte do tempo, enquanto você se contorce suavemente ao som da música do bar. Uma cerveja numa mão, um cigarro na outra. Cabelo desgrenhado, pelo descuido costumeiro de quem raramente se arrisca a sair da rotina trabalho e faculdade durante a semana. Deve ser bicho de História, dizem uns, ou Ciências Sociais, dizem outros, e trabalhar com cultura, pelas vestes desprovidas de qualquer formalidade. Curte MPB, já se percebe. E agora ensaia uns passos de samba, desengonçado e sorridente, quase que sem graça por perceber alguns olhares femininos descarados e provocantes na sua direção. As gostosas sempre se dão melhor no fim da noite. Mas então, quase que sem querer, em meio a todos os sorrisos reluzentes da noite, você se vê observado por um par de olhos num rosto que não demonstra sorriso algum. Estou de lábios cerrados, hipnotizado pela sua desenvoltura meio sem jeito na pista central. Ri pra mim, demonstrando, quem sabe, interesse por quem está mais interessado na cor dos seus olhos do que terminar a noite na cama com você. É do tipo que dá mais valor à poesia que ao próprio poeta, penso eu. E talvez concorde comigo que só os olhos entendem mais de poesia que o próprio corpo que a declama. Eu rio de volta. Uma nascente sem água que desagua no mais absoluto silêncio que a banda deixa imperar no palco nesse momento. Elas vão até você, as gostosas, e eu acredito que, três da manhã, já é hora de seguir o ritmo dos músicos, entornar a saideira, pegar meu rumo sem rumo e partir. Saio do bar a chamar um táxi, batendo no vidro para acordar o motorista que dorme no banco de trás. Você me cutuca as costas e pergunta se não quero uma carona. Carona com desconhecido, onde já se viu. Já tive uma prima quase atacada por um desses psicopatas da noite rio branquense, vai saber. Mas você parece ler meus pensamentos: diz que vai pro mesmo bairro que eu. E você sorri, como se um sorriso fosse capaz de me convencer. Então você me olha nos olhos. Os seus castanhos, agora consigo ver. Poderia até errar dessa vez, mas nunca me enganara com o olhar de ninguém. Não é qualquer coisa que se extrai dos olhos de alguém, é poesia. E eu sempre acredito na poesia. Sigo no seu encalço, em silêncio, com as mãos no bolso, até seu carro. Você se desculpa pela simplicidade do automóvel. Usado, vinte e um anos de atividade, um ano mais velho que você, um estudante de Publicidade e estagiário em jornal independente. Dividimos um cigarro até me deixar no portão de casa, afinal foi carona assim oferecida. Até duvidaria do desprendimento de telefone celular, não fosse pela agenda abarrotada de papéis presos com clipes e grampos e cheia de anotações. Um último sorriso, quase gargalhado, ao dizer que não gosta de redes sociais.
- Alfredo.
- David – com d mudo.