Eu tive um cachorro. Eu tinha lá pelos meus dez, onze anos. A cadela de uma vizinha tinha
tido alguns filhotes e ela perguntou se eu não queria um. Com o aval dos meus pais
escolhi aquele filhotinho marrom. Não era bem um marrom. Era mais claro. Não
sei bem definir a cor específica que ele era. Mas lá foi aquele cachorrinho
parar na varanda da minha casa. Era tão bonitinho. Aquele latido fino quando
começou a rosnar como se pudesse amedrontar quem se aproximasse.
Minha irmã, que, à época, morava comigo, não era
muito fã de cachorros. Ela tinha – tem – essa coisa com bichos de estimação. Meus
pais já haviam tido um cachorro, dos grandes inclusive, mas até aquele pequenininho
lhe causava um pouco de medo. Mas, conforme ele foi crescendo, até ela se
acostumou com ele. Não o queria por perto, roçando suas pernas ou simplesmente
clamando por carinho, mas também não se incomodava com sua presença em casa.
O Tobby cresceu. E eu também. E eu passei a não
querer responsabilidades. Então ele se virava sozinho. Aprendeu a viver nas
ruas. Estava sempre pela praça próximo à minha casa, com os outros cachorros da
vizinhança. Quando eu saía de manhã pra ir pra aula lá estava ele, estirado na
calçada, aproveitando aquele sol das sete da manhã para deixar seus pêlos mais
brilhantes, que agora tinham uma aparência cobre e, conforme ele se
movimentava, via-se estampado ali um brilho que raramente eu havia visto em um
cachorro.
Minha tia o chamava
de “o cachorro elegante”. Se referia ao andar dele, todo pomposo, sem
abaixar a cabeça e com um reboladinho que era só dele. Mas eu só brincava com o
Tobby. Talvez pelo fato de eu estar seguro que ele realmente era independente e
sabia se virar quando eu não estivesse por perto. Mas o fato é que a moça que
trabalhava na minha casa, Dona Francisca, é que cuidava dele enquanto eu não
estava ali.
Na verdade o que me faltava era responsabilidade.
Era muito fácil eu querer um cachorro. Tinha dez, onze anos, e não imaginava
que ter um cachorro dava trabalho. Ter um cachorro, pra mim, era uma questão de
diversão. E, mesmo eu não estando presente na maior parte do tempo, sempre que
eu aparecia ele corria pra cima de mim. Pulava nas minhas pernas, mordia sutilmente,
latia de felicidade. Hoje eu recordo que, muitas vezes, em momentos assim, eu
acabava simplesmente pedindo que ele saísse. E, ainda assim, ele repetia as
mesmas coisas todos os dias.
Até que, em decorrência de seus passeios na rua e
da minha falta de cuidado, ele se encheu de carrapatos. Era 2002 e eu tinha
acabado de completar quatorze anos. Estava no último ano do meu primeiro grau.
Tobby estava chegando ao seu quarto aniversário. Meu pai resolveu dar um jeito
nos carrapatos e passou veneno por todo o corpo dele. O único porém foi que
aquele veneno para os carrapatos deveria ser utilizado em bovinos. E meu pai
havia despejado por todo o corpo do meu cachorro.
Percebendo-se molhado, Tobby começou a se lamber.
Achava que era água, talvez, e queria se enxugar. Fui informado, então, que ele
não queria mais comer nada, que estava muito debilitado e deveria ser levado ao
veterinário. Não lembro bem, mas acho que minha mãe o levou. Ele dormiu lá
nesse dia. Então no dia seguinte estávamos com ele em casa, ainda debilitado,
mas o doutor havia receitado um remédio para lhe dar de tantas em tantas horas
via oral. Naquele momento, ali, no auge do meu desespero, eu percebi que não
queria perde-lo. Que o fato de não cuidar não era simplesmente não gostar. Era
só que eu não era responsável.
No dia seguinte, quando voltei da aula, Tobby não
estava em casa. Meu pai me disse que minha mãe o levara no veterinário
novamente porque ele não tinha ficado muito bem. Fiquei tranquilo, pois tinha
dado o remédio igual o doutor havia falado. Então almocei e fui para o meu
quarto ver um pouco de televisão antes que ele chegasse. Mas ele não chegou.
Minha mãe voltou pra casa sem o meu cachorro. Tobby morreu. Lá, na mesa da
clínica, sem que eu pudesse me despedir ou simplesmente enterrá-lo em algum
lugar.
Meu cachorro simplesmente foi largado para que o
veterinário desse um destino para ele. Ninguém perguntou o que eu queria fazer
com ele. Ninguém me deu uma chance de, pelo menos, abraçar meu cachorro uma
última vez. Eu, que nunca tinha cuidado dele, estava ali, agora, arrependido de
todo o tempo que o deixei de lado, como se ele fosse simplesmente um brinquedo
meu, que eu podia pegar e largar a hora que quisesse.
Meu pai se culpou por muito tempo. Até arranjou um
novo cachorro, mas eu decidi não ter mais animais de estimação até que garantisse
a mim mesmo que eu poderia cuidar dele. Minha irmã, aquela que não gosta de
animais de estimação, pela primeira vez disse pra mim que o Tobby era o único
cachorro que ela gostava. O grande lance é que não havia ninguém em casa que
não gostasse dele. Ele era respeitador, era nosso guarda, era quem, sendo
cuidado ou não, estava ali do nosso lado no momento que fosse.
Por quatro anos eu tive um companheiro. Que seria
inseparável se eu não o tivesse separado tanto de mim. Espero que ele tenha
levado lembranças boas de mim. A D. Francisca com certeza ficou na sua memória.
Era como uma mãe pra ele. Eu talvez tenha ficado como o irmão mais velho, que
não dá muita atenção, mas sabemos que é seu jeito de amar. Eu não tive mais
nenhum cachorro desde então, mesmo querendo muito. Porque já prometi a mim
mesmo que só darei amor a outro bicho de estimação quando tiver plena
capacidade que estou disposto a assumir a responsabilidade. Saint-Exupéry,
sabiamente, já nos ensinou: tu és responsável por aquilo que cativas.
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