ele tentava de todas as formas sustentar uma máscara em sua face. não conseguia utilizar da sobriedade para tanto. abusava do álcool, da maconha, da cocaína, dos cogumelos, ácidos e quaisquer outras anfetaminas que alterassem seu estado natural. justamente para não sê-lo. sua naturalidade era inerente à sua sinceridade, aos seus afagos, aos seus anseios, às suas possibilidades, à sua necessidade diária de vida. mas viver, para ele, por mais que ousasse diferenciar-se de tantos à sua volta, era justamente transgredir quaisquer normas impostas, por quem quer que fosse, ao seu ser. e não era. não era ninguém. mas também não era alguém. não conseguia, sóbrio, dizer determinadas verdades. não conseguia, sóbrio, desvencilhar-se de tantas mentiras. inebriado, por qualquer uma de suas drogas, era capaz de sonhar alto e complacer-se de todas as coisas que almejava, mas quando voltava ao seu estado normal achava tudo aquilo impossível de ser conquistado. não acreditava em si mesmo. e passou a não acreditar nas palavras alheias. era expulso dos bares, das casas noturnas e de todos os ambientes em que os serventes não conseguiam ultrapassar as sete horas da manhã. dali, se não se rendesse e fosse pra casa, estacionava no posto de gasolina e enchia o isopor - que carregava no banco de trás de seu carro - com cerveja. mas aquele, aquele não era ele. o ele era outro. o ele era forte, era determinado, era um fiel espectador dos sonhos que achava que não podia realizar. se desobrigava de cumprir as ordens porque se sentia na necessidade de estar participando ardentemente das rodas que costumava frequentar.
- eu odeio esse tipo de coisa, sabe?
- o quê?
- a pessoa sabe que não pode fazer uma coisa, e faz do mesmo jeito.
- ?
- é como uma autoflagelação. você é brilhante, tem força de vontade, mas luta contra ela e eu, sinceramente, não consigo te entender.
- mas...
- mas nada. não existe uma resposta, não tem como eu te entender, cara. como é que tu não pode tomar essa merda e fica tomando? isso não é teimosia, rapaz. isso é fraqueza. você é fraco.
- você me acha fraco?
- não. aliás, eu acho você uma das pessoas mais fortes que eu conheço.
- e como você diz que é fraqueza?
- não se entrega, bixo. você é forte. mas o que eu quero te dizer é que você tá sendo fraco.
- não to, não.
- está. e muito.
- só porque eu to tomando uma cerveja?
- não, porque você tá indo contra tudo aquilo que você tanto me frisou.
- e o que foi?
- se você não fizer por você, ninguém vai fazer.
- isso eu sei.
- pois é. e ninguém vai fazer. não que ninguém se importe com você. mas você tem que se bastar, lembra?
ele lembrou que tinha força de vontade. lembrou que conseguia sobreviver sem tudo aquilo que acreditava precisar para viver. lembrou que, na realidade, ele não precisava sobreviver. ele precisava viver. e percebeu que, para que isso acontecesse, aquela máscara tinha que ser tirada de sua face. conseguiu desatar o nó que a atava em sua cabeça. ainda era difícil olhar o mundo com outros olhos depois de tanto tempo. mas já era possível perceber que, olhando naturalmente, aquele mundo era ainda mais bonito.
- eu odeio esse tipo de coisa, sabe?
- o quê?
- a pessoa sabe que não pode fazer uma coisa, e faz do mesmo jeito.
- ?
- é como uma autoflagelação. você é brilhante, tem força de vontade, mas luta contra ela e eu, sinceramente, não consigo te entender.
- mas...
- mas nada. não existe uma resposta, não tem como eu te entender, cara. como é que tu não pode tomar essa merda e fica tomando? isso não é teimosia, rapaz. isso é fraqueza. você é fraco.
- você me acha fraco?
- não. aliás, eu acho você uma das pessoas mais fortes que eu conheço.
- e como você diz que é fraqueza?
- não se entrega, bixo. você é forte. mas o que eu quero te dizer é que você tá sendo fraco.
- não to, não.
- está. e muito.
- só porque eu to tomando uma cerveja?
- não, porque você tá indo contra tudo aquilo que você tanto me frisou.
- e o que foi?
- se você não fizer por você, ninguém vai fazer.
- isso eu sei.
- pois é. e ninguém vai fazer. não que ninguém se importe com você. mas você tem que se bastar, lembra?
ele lembrou que tinha força de vontade. lembrou que conseguia sobreviver sem tudo aquilo que acreditava precisar para viver. lembrou que, na realidade, ele não precisava sobreviver. ele precisava viver. e percebeu que, para que isso acontecesse, aquela máscara tinha que ser tirada de sua face. conseguiu desatar o nó que a atava em sua cabeça. ainda era difícil olhar o mundo com outros olhos depois de tanto tempo. mas já era possível perceber que, olhando naturalmente, aquele mundo era ainda mais bonito.
2 comments:
Que belo o modo como ele percebeu que não é sobreviver o importante, e sim viver, e extraír o máximo desta experiência.
Beijo, bom fim de semana!
Muito bom. A gente se identifica.
Não é fácil se livrar das máscaras. E, às vezes... é díficil acreditar que realmente existe um rosto verdadeiro ali embaixo.
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