Friday, February 29, 2008

luzes apagadas
e o silêncio

na surdina daquele beco
pequenos ratos
mordazes
sussurravam as cores vibrantes

Wednesday, February 27, 2008

infância

da janela, de tão longo andar, eu podia ver que os pássaros me encaravam.
fechei as cortinas, mas eles invadiram o quarto.

pássaros azuis. com bicos vermelhos.

talvez aquela porta levasse à outro universo.
aquele perdido há alguns anos atrás.

Wednesday, February 20, 2008

pés que eram cofres

dentro dos sapatos amarrotados, envelhecidos pelo tempo, ele guardava algumas notas de dinheiro para quando fosse necessário. elas fediam a chulé.

Friday, February 15, 2008

guarda-chuvas em tons pastéis

corriam atravessando a tênue linha horizontal que divide o céu do mar;
e naqueles passos largos, não sabiam. nem imaginavam.
aquele azul se tornou cinza, um cinza escuro, da cor dos pés descalços.
mas dos pés descalços das crianças dos campos de erupções vulcânicas



ela, então, abriu os três guarda-chuvas que carregava na bolsa,
sem motivo aparente, afinal nunca chovia.
mas tinha três.
e ali se escondeu, até que tudo se tornasse vermelho.
e não era vermelho-sangue, era vermelho-felicidade.

olhos brilhando da emoção que emergia dos poros.

Thursday, February 14, 2008

fingindo ser um palácio

não sabia qual escova era a sua
e não se encontravam mais no banheiro
também não se viam. convi-viam.
ela queria dar entrada nos papéis:

-eu quero o divórcio
-tá
-eu to falando sério
-eu também
-amanhã vou dar entrada nos papéis
-não precisa, é só assinar aqui. fiz isso há um mês.
-...

traquinagens sexuais

sentia as pernas dormentes.
não era mais mulher com idade para sexo selvagem.


- e isso tem idade? - ele perguntou

Wednesday, February 13, 2008

nostalgia

do alto de seus dezenove anos, ele podia ver o primeiro andar de sua vida.

Tuesday, February 12, 2008

Nunca houve uma mulher como Clarisse - 4ª Parte


Levantou, ainda cambaleante, equilibrando-se com as mãos enfraquecidas sob a pia. Olhou-se no espelho. A única diferença de quando entrara era a cor do seu rosto, pálido. A maquiagem ainda borrada lhe deu um ar de circo. Sorriu, imaginando-se uma circense.

Foi a primeira vez que sorriu depois de tanto tempo. Sentia-se envolta em indagações, pressentimentos e uma tortura psicológica que ela mesma fazia em si. Não havia vento, mas por dentro dela era como uma tempestade.

Tratou de lavar os pulsos, o sangue já rígido em seus braços, fazendo-a pressioná-los para que ficassem limpos. A água lhe fez sentir uma dor aguda, ocorrendo-lhe fechar os olhos e morder os lábios, numa tentativa de aliviar o sofrimento.

Envolveu o corpo nu em uma toalha e voltou para o quarto. Tirou mais um cigarro do maço que jazia sobre a cama e, da mesma forma que fizera anteriormente, cruzou as pernas após acende-lo.

Apertou o botão vermelho do controle. E viu estampado na TV o que ela mais temia.

Monday, February 11, 2008

abriu o coração com a destreza de quem abre um pote de maionese.

Friday, February 08, 2008

talvez em outra vida

Era preferível que fosse o homem perfeito, que percebia cada detalhe e sempre passava despercebido por entre as gozações da vida. Era preferível que acabasse se tornando aquele que queriam que ele fosse, sem ao menos se permitir tomar um rumo diferente escolhido por ele mesmo. Era tão preferível que fosse sempre comunicativo, inteligente, bom-moço e saudável que ele não se importava. Ele já não se importava. Cansara de sorrir para aqueles qualquer-uns que fingiam se importar. Estava louco. E inconseqüente. Era louco-inconsequente. E assim que era.

Thursday, February 07, 2008

Nunca houve uma mulher como Clarisse - 3ª Parte

Abriu os olhos. A claridade da manhã importunava sua visão. Sentia-se fraca, inútil e, ao olhar seus membros superiores, percebeu-se pálida, envolta a uma mancha vermelha que tomava todo o chão do banheiro.

Porque sobrevivera?